Record (Portugal)

“FELIZ POR AQUILO QUE CONQUISTEI”

BRUNO VALE

- RUBEN TAVARES

Chegou a altura de o guardião pendurar as luvas e pensar noutros projetos. Em retrospeti­va, o ex-jogador do FC Porto diz que, entre alegrias e dores, há mais razões para sorrir

Comecemos pelo presente para depois viajarmos pela sua longa carreira. O que o fez tomar esta decisão de pendurar as luvas aos 37 anos?

BRUNO VALE – Estava numa idade em que se vai pensando de ano a ano no término da carreira e, com esta paragem, deu para perceber que já me estava a custar um bocadinho. Achei que era o momento. Esta paragem serviu para eu pensar melhor e depois, ao saber que não havia mais 2.ª Liga, tomei a decisão. A interrupçã­o de todos estes meses poderia ser prejudicia­l se eu continuass­e e, na verdade, não sabemos bem quando é que a prova pode voltar.

Fez nove jogos nesta derradeira temporada. Sente que a época não correu tão bem devido a algum desgaste que sentia física e psicologic­amente?

BV – Sim. Comecei a jogar, mas, a partir de determinad­o momento, as coisas não correram da forma que eu queria. A nível de treinos, já sentia alguma dificuldad­e. Os pratos foram colocados na balança, e no que senti mais problemas até foi no lado psicológic­o, pois eu estava habituado a jogar muito em Chipre.

Terminar este trajeto regressand­o à UD Oliveirens­e foi a forma ideal de o fazer?

BV – Foi um clube que me ajudou a dar o passo para um país onde fui muito feliz. Foi isso que me fez voltar à UD Oliveirens­e. Tinha, por assim dizer, uma dívida de gratidão com as pessoas do clube, os adeptos e a cidade que foram tão amigáveis comigo.

Numa época em que a equipa, a partir de dezembro, até voltou a jogar no Estádio Carlos Osório...

A nível de seleções jovens, foi o guarda-redes titular de um Portugal campeão europeu sub-16, em 2000, numa altura em que despontava­m vários craques...

BV – Sem dúvida! O Custódio, o Raul Meireles, o Hugo Viana, o Quaresma, que fez os dois golos na final, contra a República Checa (vitória por 2-1). A maior parte dessa geração chegou a altos patamares. Quanto a mim, tive a felicidade de ser internacio­nal em todos os escalões jovens.

Falemos agora da sua única experiênci­a no estrangeir­o, mas a mais duradoura. Entre 2012 e 2019 esteve em Chipre, no Apollon Limassol. Fez 315 jogos. Ganhou cinco títulos (três Taças e duas Supertaças). Foi a etapa mais marcante da carreira?

BV – Correu bem, fui tratado lindamente. É um clube que me marcou, que me deu a oportunida­de de jogar na Liga Europa, um campeonato que tem vindo a crescer. Os adeptos são fanáticos. Quase todos os fins de semanas há dérbis. Há um clima maravilhos­o, as pessoas sabem receber... Só posso falar bem de Chipre, porque fui muito feliz. No plano desportivo, ficou só um amargo de boca porque conquistei tudo menos o campeonato.

É um ídolo para os adeptos do clube, reconhece isso?

BV – Os sócios mereciam um estádio novo, com outras condições, foi bom. Joguei no velho estádio, não tive a oportunida­de de jogar neste, mas é bonito ter terminado no ano em que a equipa voltou a jogar em Oliveira de Azeméis. A confiança aumentou com este regresso a casa e isso refletiu-se nos resultados. Somámos muitos pontos desde o regresso ao nosso estádio.

Teve a carreira com que sonhou?

BV – Sim, olho para trás e sinto-me muito feliz por aquilo que conquistei. Há uma ou outra decisão que, se fosse hoje, tinha tentado ser mais forte em não aceitar tudo o que me propunham.

Fica alguma mágoa por não se ter afirmado na equipa principal do FC Porto (fez apenas um jogo), seu clube de formação?

BV – Claro que eu gostaria de ter jogado, mas entendo que não era

“RECEBI UM CONVITE DO MEU EMPRESÁRIO PARA TRABALHAR COM ELE. PROVAVELME­NTE SERÁ POR AÍ [O FUTURO]”

fácil para mim. Apanhei o Vítor Baía, o Nuno Espírito Santo, o Helton… Primeiro pensei que iria ser uma aposta, mas depois percebi que não seria. Se calhar, não correspond­i às expectativ­as. Houve dois anos, depois de ter estado emprestado à União de Leiria e ao Varzim, em que não percebi por que não fiz a pré-época. Para o Varzim até fui no último dia de mercado. Foram cinco épocas sempre a ser emprestado. Nem me deixavam ir treinar com a equipa B. Não percebi o porquê, nunca me explicaram. Em 2010, quando termina o meu contrato com o FC Porto, pensei que poderia ir para um clube que me queria verdadeira­mente. Senti isso da parte da UD Oliveirens­e, e a verdade é que fiz muitos jogos nas duas primeiras épocas em que lá estive.

Que memórias guarda de José Mourinho e das duas temporadas em que o FC Porto praticamen­te ganhou tudo?

BV – Logo quando comecei a trabalhar com ele, vi que era diferente e depois confirmou-se isso. Estava um passo à frente dos outros.

No jogo em que me meteu para ser campeão (na última jornada da Liga de 2003/04, contra o P. Ferreira), lembro-me que me disse que esperava que fosse o primeiro de muitos títulos.

Tem uma internacio­nalização por Portugal num jogo particular (vitória por 1-0 sobre o Cazaquistã­o, em Chaves, em 2003). Que recordaçõe­s tem dessa partida e dessa experiênci­a?

BV – Na noite da véspera quase não dormi e foi tudo mágico. Houve dois jogadores dos sub-21 chamados: eu e o Cristiano Ronaldo. Eu tinha 20 anos, ele 18. O Scolari era muito carismátic­o e deu-me os parabéns pelo que acabava de alcançar.

Em 2006 é convocado para o Mundial na Alemanha, mas lesiona-se poucas semanas antes da prova e falha a competição, tendo o Paulo Santos sido chamado para ocupar o seu lugar. Foi o ano mais doloroso da carreira?

BV – Foi o ano que mais me marcou negativame­nte e me mandou um pouco para baixo. Nesse mesmo ano, sou emprestado pelo FC Porto à União de Leiria e depois deixo de jogar. Foi difícil, o ano mais difícil, na época seguinte, fui para o Varzim e também não joguei muito. A minha carreira começou a descer a partir daí. Talvez não tenha sido tão forte como deveria ter sido.

“HOUVE DOIS JOGADORES DOS SUB-21 CHAMADOS: EU E O CRISTIANO RONALDO. NA NOITE DA VÉSPERA QUASE NÃO DORMI”

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SELEÇÃO. Momento em que substituiu Ricardo, frente ao Cazaquistã­o, em 2003

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