Um Ai-Jesus
Um grande benfiquista e conhecido melómano, há tempos que tem a mais exata analogia para o que se passou no Benfica nos últimos cinco anos. Imaginem que, após os 35 anos que Herbert Von Karajan dirigiu a Orquestra Filarmónica de Berlim, o grande maestro austríaco tinha sido substituído por um outro regente, com alguns conhecimentos musicais, mas sem grande rasgo ou talento. Em alguns momentos, a orquestra continuaria a soar bem. Bastava que o 1.º violino fosse o mesmo, o naipe de metais se mantivesse relativamente inalterado e os percussionistas soubessem como continuar a marcar os tempos. O problema é que, à medida que os instrumentistas fossem saindo, a qualidade musical começaria a ressentir-se e já não havia maestro para recompor a orquestra.
Os últimos cinco anos do Benfica são uma história de empobrecimento. E se a equipa foi apresentando alguma dinâmica vitoriosa foi, numa fase inicial, porque o essencial dos princípios de jogo persistiam, mesmo após a saída do treinador, e, mais recentemente, porque um ou dois solistas disfarçaram a perda de qualidade individual e coletiva (sem Jonas e sem João Félix, a música teria sido mesmo outra). É extraordinário, por isso, que a direção tenha assistido a esta degradação com passividade e, pior, acentuando o declínio.
Foi com razão que na apresentação de Jorge Jesus, por várias vezes, foi utilizada a expressão “novo ciclo”. É mesmo isso que está em causa no Benfica: o reconhecimento do falhanço colossal do ciclo que vivemos, corporizado na promessa insólita de vencer uma Champions com jogadores do Seixal. Estes últimos anos da presidência de Vieira caracterizam-se, por um lado, pela prioridade aos negócios e consequente perda de ambição desportiva; por outro, por um total desnorte na política desportiva. Ao ponto de a política desportiva do Benfica passar, agora, a ser a política de Jorge Jesus.
Não está em causa o mérito do treinador do Benfica – de quem sou fã confesso. Mas só um presidente à deriva é que pode, num ápice, abdicar da estrutura que, até ontem, alegadamente explicava todas as vitórias para, em seu lugar, criar a figura do treinador plenipotenciário. Se a opção é, em si, estranha, torna-se verdadeiramente insólita se nos recordarmos que foi Vieira quem quis Jesus fora do Benfica e que depois até processou o técnico.
Este ‘Ai-Jesus’ é, na verdade, um ato de desespero. De alguém que percebe que está no fim de um ciclo e que, para evitar uma derrota nas eleições, não se importa de desdizer tudo o que disse no passado e, pior, promete fazer tudo ao contrário do que tem feito (até financeiramente). Só que o que sobra em estratégia ziguezagueante a Luís Filipe Vieira, falta-lhe em credibilidade.