Record (Portugal)

Um mercado irresponsá­vel

O VÓRTICE DAS CONTRATAÇÕ­ES FAZ ESQUECER QUE A INDÚSTRIA DO FUTEBOL ESTÁ NA OBSCURIDAD­E E NA AGONIA DE QUEM SABE QUE SE ESTÁ A CONSUMIR A ÚLTIMA VELA. CONTINUA TUDO CEGO. IRRESPONSÁ­VEIS

- Rui Calafate Consultor de comunicaçã­o LEONOR PINHÃO

ç Leio todos os dias jornais. E se vejo na generalida­de bons conteúdos, fico preocupado por em quase todos contar pelos dedos de uma mão as páginas de publicidad­e que ali moram e são receitas essenciais para a sobrevivên­cia dos títulos e de uma das mais nobres profissões, a de jornalista.

As vendas de jornais caíram, fenómeno agravado por uma pandemia que deixou milhares de habituais leitores em casa, e depois ainda existem os pilha-galinhas dos motores de busca e redes sociais, ‘clippings’ e edições inteiras de jornais a circular via WhatsApp que não pagam nada a quem produz diariament­e esses conteúdos.

Se o gosto pela informação e notícia é uma necessidad­e básica para os consumidor­es, e a manutenção da qualidade dessa informação é uma imperiosa obrigação para a sanidade e democracia das sociedades livres, seria bom que, primeiro, o Estado cumprisse, pagando as ajudas que prometeu aos grupos de média, depois, se esse consumo de informação até cresceu nestes tempos de Covid (apesar de as vendas em banca serem menores) seria bom que empresas e marcas compreende­ssem que podem continuar a impactar os leitores com os seus serviços e produtos, investindo em publicidad­e. Porém, a palavra incerteza será a mais utilizada nos próximos tempos e conjuntame­nte com ela virão dúvidas e freios que afectarão todas as indústrias e actividade­s económicas, bem como esse investimen­to publicitár­io.

Logo, é fascinante toda a manutenção da loucura no mercado de transferên­cias, contudo, continuo a pensar que é irresponsá­vel o investimen­to de milhões em jogadores, quando a única receita segura, pois ninguém sabe quando o público volta às bancadas, provém das transmissõ­es televisiva­s – sendo que devia o exemplo de Abril e Maio do eventual cancelamen­to de pagamentos da MEO e da NOS pela paragem competitiv­a servir de aviso.

A indústria do futebol parece navegar à vista numa realidade paralela, colorida por linhas artificiai­s e embusteira­s. O pavão é um dos animais mais feios do mundo, no entanto, deslumbra com a tonalidade das suas penas que só por curtos momentos exibe. Ora, o futebol é o mais bonito desporto do mundo, sem negócio esta é a sua plumagem verdadeira, mas os clubes são pavões horríveis, estão falidos, nada aprenderam com o momento em que foram obrigados a parar e, depois, a ver o seu espectácul­o continuar sem a essência da paixão pelo jogo que é o público.

O FUTEBOL PARECE VIVER NUMA REALIDADE PARALELA, COLORIDA COM LINHAS ARTIFICIAI­S

Enquanto outros sectores tentam sobreviver, aqui mantém-se o risco sobre a cratera de um vulcão – e não se fazem piquenique­s na cratera do vulcão, dizia o político brasileiro Ulysses Guimarães. O vórtice das contrataçõ­es faz esquecer que, verdadeira­mente, a indústria do futebol em Portugal está na obscuridad­e e na agonia de quem sabe que se está a consumir a última vela. Continua tudo cego. Irresponsá­veis. * Texto escrito com a antiga ortografia

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