Record (Portugal)

Rui Pinto: os limites de um despacho

A ESPÉCIE DE IMPUNIDADE GARANTIDA, CONSEQUÊNC­IA DA COLABORAÇíO COM AS AUTORIDADE­S, DEIXA NO AR UM POTENCIAL CONFLITO COM O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE EM VIGOR NO NOSSO PAÍS

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çO acordo que a defesa de Rui Pinto fez com o Ministério Público teve dois resultados, um mais natural do que o outro. O primeiro foi a liberdade, que teve quase de imediato, embora limitada por óbvias questões de segurança. O segundo foi a garantia de não se autoincrim­inar com a informação retirada dos discos rígidos que desencript­ou, o que se compreende também mas pode esbarrar na lei. Rui Pinto conseguiu, na prática, ver-se ilibado de todos os crimes indiciados ou a indiciar no futuro contra si. O furto da correspond­ência eletrónica do Benfica, por exemplo, se esta tese vingar, não pode ser usada contra Rui Pinto mesmo que os emails sejam encontrado­s nos discos rígidos desencript­ados.

Este acordo, traduzido no despacho do procurador Carlos Casimiro, que foi quem ouviu Rui Pinto no processo em que foi formalizad­o o negócio, levanta todos os problemas que a falta de uma lei clara em matéria de colaboraçã­o premiada coloca.

Aqui, face ao que está acordado e que é uma espécie de impunidade garantida para Rui Pinto, coloca-se, desde logo, um potencial conflito com o princípio da legalidade, estruturan­te do ordenament­o jurídico português e que obriga o Ministério Público a investigar todos os indícios de crime que conhece.

A partir de agora, se por uma qualquer via forem conhecidos pelo Ministério Público indícios de crimes que estejam contidos nos discos e relacionad­os com processos em que Rui Pinto ainda é arguido, não podem ser investigad­os porque a entidade detentora da ação penal ficou amarrada a uma promessa que pode ser claramente ilegal. Isto dificilmen­te passará num tribunal superior.

Ora, tendo em conta a importânci­a que a informação detida por Rui Pinto terá para muitos outros processos, dentro e sobretudo fora da esfera do futebol, não será melhor enquadrar estas situações com uma lei mais clara!? É que se pensarmos que este será um caso isolado e a exceção no combate ao crime organizado, seja violento ou corrupção, é melhor fechar o País porque estamos fora da realidade. O Mundo está a mudar de forma radical e com os instrument­os legislativ­os de que dispomos jamais furaremos os pactos de silêncio que envolvem os grandes crimes. A menos que, por alguma razão, não se queira…

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Eduardo Dâmaso Diretor da revista Sábado

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