Record (Portugal)

Porta-aviões (do Benfica) ou casca de noz?

ESTÁ DEMASIADO COMPLICADA A DEFINIÇÃO DO PLANTEL PARA 2020/21 E VEREMOS ATÉ QUE PONTO VAI SER POSSÍVEL MANTER A ‘CORDIALIDA­DE FUNCIONAL’ ENTRE VIEIRA E JESUS

- RUI SANTOS

çLuís Filipe Vieira acreditou sempre que ele próprio e a estrutura que foi montando ao longo dos anos, e na qual Paulo Gonçalves assumia um papel crucial, como todos sabemos mas que muitos vergonhosa­mente querem ignorar, eram à prova de bala.

O presidente do Benfica convenceu-se de que o País não era mais do que uma ‘casa de papel’ e foi acumulando assomos de abuso de confiança. A forma como geriu o futebol desde que Jorge Jesus foi corrido ‘charmosame­nte’ da Luz, numa operação de enganos sucessivos e nunca assumidos, mostra bem que as obras imponentes e irrefutáve­is, como a construção do novo estádio e de uma infra-estrutura tão importante quanto a do Seixal, não são suficiente­s se houver desleixo e uma visão puramente mercantili­sta em redor da equipa de futebol mais representa­tiva.

Luís Filipe Vieira foi perdendo o pé sob a convicção de que tinha a ‘casa de papel’ sob controlo e que aos comandos do porta-aviões que havia construído, com equipament­o sofisticad­o, ao mesmo tempo que os rivais (FC Porto e Sporting) iam dando sinais de fragilidad­e, podia fazer o que lhe apetecesse, sem perturbaçã­o da sua majestátic­a presidênci­a.

Olhou para o negócio, numa dimensão com facetas pouco claras, mas não olhou verdadeira­mente para as necessidad­es da equipa. Com uma Liga frouxa, na qual FC Porto e Sporting vinham exibindo graves problemas de natureza financeira, Vieira ‘exibiu’ o seu porta-aviões com orgulho, mas sem valorizar não apenas as quebras da equipa, mas também os erros que se iam cometendo, na caracteriz­ação do projecto (ai essa ideia de ser campeão europeu com os miúdos do Seixal!…) e na abordagem ao mercado, entalado entre a porta de Mendes e a porta do scouting.

Luís Filipe Vieira levou longe de mais esta sua (auto) visão majestátic­a e a ‘dobradinha’ do FC Porto conquistad­a em ano de eleições empurraram-no para uma nova percepção da realidade. Colocou-se num plano de pressão máxima, que está a impor a si próprio, estando por isso (ainda) mais susceptíve­l ao erro, como se tem observado no último mês e meio.

A recuperaçã­o de Jorge Jesus, sejamos claros, não é mais do que a confissão do erro que cometeu em 2015. Ela implica, no entanto, uma transforma­ção dos impactos internos na estrutura e isso, com jogo europeu à vista e eleições à porta, não causa conforto.

O regresso de Jorge Jesus à Luz foi acompanhad­o com a promessa de reforço do plantel (mesmo em contra-ciclo com as dúvidas sobre os efeitos da pandemia) e o que se está a passar, agora, com os Cavanis e os Darwins desta vida, vem adensando a ideia de que o porta-aviões está em modo de jangada ou casca de noz.

Não faz nenhum sentido que, a 10 dias do encontro com o PAOK, estando em causa a prazo um dos objectivos principais da época – o apuramento para a fase de grupos da Champions – o Benfica ainda não tenha o seu onze-base definido.

O Benfica parece estar a preparar-se para voltar ao mercado depois do jogo com os gregos, em Salónica. Seria normal para um pequeno ajustament­o no plantel. Não é normal quando estamos a falar de carências identifica­das ao nível, repito, do onze-base.

Admito que haja diversas opiniões sobre o assunto, mas parece-me evidente que o Benfica tem um grande buraco no meio-campo, nas posições 6 e 8.

A defesa não está completa (Gilberto é flop? Nuno Tavares chega para dobrar Grimaldo? Rúben Semedo faz sentido, uma vez que não pode entrar em Espanha?), o meio-campo parece longe de correspond­er às exigências do futebol de Jesus e o ataque suscita muitos pontos de interrogaç­ão.

Tudo isto também sob as dúvidas da eficácia funcional do triângulo Rui Costa-Jesus-Tiago Pinto, com Vieira a não querer sentir-se ultrapassa­do — e vai ter de resolver o desconfort­o extra sentido por Domingos Soares de Oliveira.

Vejamos a estratégia de Vieira para o futebol: contrata Jorge Jesus e prepara a aquisição de um grande nome do futebol internacio­nal: Cavani.

É uma boa ideia (não apenas eleitoral), porque o uruguaio é um nome incontorná­vel do futebol mundial, apesar da idade (33 anos) e a longa paragem a que está submetido (desde Março). Só que a operação demora, demora, também porque o mercado sabe que o Benfica e Vieira estão compradore­s (debaixo de pressão) e porque hoje em dia as engenharia­s financeira­s são de uma complexida­de tremenda e não bastou que o jogador aceitasse a receber em 6 anos, isto é, com Cavani a continuar a receber após concluir o seu ciclo desportivo no Benfica.

Tudo isto é muito discutível, sobretudo em ano de eleições, porque os compromiss­os realizados hoje vão ter efeitos na próxima presidênci­a, e apesar das projecções ninguém deve dar como garantido, em actos eleitorais, que o vencedor já é antes de o ser, levantando-se aqui uma outra questão – não exclusiva ao Benfica – relacionad­a com a fiabilidad­e do sistema eleitoral dos clubes de futebol. Estas eleições vão ser efectivame­nte ‘limpas’?!

A operação Cavani aparenteme­nte falha e o Benfica vira-se para o ponta-de-lança do Almería, Darwin Núñez, da II Divisão espanhola. Que mudança radical! O Benfica passa de um jogador feito de topo, tipo cartaz, para um outro que vem para aprender. E outra vez confusão, impasses, exigências, com o Benfica a ter de dar por um jogador da II Divisão espanhola um valor exorbitant­e (24 M€), o maior que um clube português pagou por um suposto reforço.

Ai este mundo das transferên­cias, das comissões e das engenharia­s... Quando é que os gestores dos clubes de futebol acabam com esta dança pornográfi­ca das comissões? Não é estranho que nada façam nesse sentido? Porquê?

Depois, este ressurgime­nto de Paulo Gonçalves em operações de transferên­cia que envolvam o nome do Benfica... Parece cada vez mais claro que o Benfica patrocinou a conversão de Paulo Gonçalves em agente (depois de ter cessado a sua condição de assessor jurídico) para este se sentir comp€nsado por ter colocado a cabeça no cepo por Vieira. O envolvimen­to na operação Cádiz, as relações com o V. Setúbal, agora o surgimento no esquema de contrataçã­o de Darwin Núñez, tudo isto não é transparen­te e volta a colocar em causa a imagem que este Benfica projecta para o Mundo…

O desfecho do jogo com o PAOK vai aumentar ou baixar a temperatur­a, mas parece claro que o Benfica discute-se hoje, como há muito não se discutia — e isso é bom para o Benfica e para quem deseja dar entrada da democracia ao futebol, para além da introdução de mecanismos de transparên­cia, que deviam ter chegado há muito ao Estádio da Luz.

* Texto escrito com a antiga ortografia

 ??  ?? DE CAVANI A DARWIN NÚÑEZ. O Benfica começa por apostar num dos grandes nomes do futebol mundial e passa, de repente, para a... II Divisão espanhola. Vieira deve estar à beira de um ataque de nervos e a ‘estrutura’ continua a abanar
DE CAVANI A DARWIN NÚÑEZ. O Benfica começa por apostar num dos grandes nomes do futebol mundial e passa, de repente, para a... II Divisão espanhola. Vieira deve estar à beira de um ataque de nervos e a ‘estrutura’ continua a abanar
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal