Record (Portugal)

O caso que está a abalar o futebol francês

UMA EMPRESA ESPANHOLA CONTROLADA POR CHINESES, DIREITOS TELEVISIVO­S POR PAGAR, UM CHEQUE SEM GARANTIA E OS CLUBES GAULESES COM A CORDA NA GARGANTA

- André Veríssimo Diretor do Negócios

ç A Mediapro, que pagou 814 milhões de euros pelos direitos televisivo­s do campeonato francês da primeira e segunda divisões para o período entre 2020 e 2024, quer baixar a sua fatura. Para forçar a negociação, não enviou o cheque de 172 milhões que deveria chegar este mês. O futebol francês está em pânico.

Segundo os últimos dados oficiais, os direitos televisivo­s representa­m 47% das receitas dos clubes da Ligue 1 e 55% dos da Ligue 2. Em alguns chega a ser responsáve­l por dois terços dos rendimento­s. Com o dinheiro que vem da venda de bilhetes, merchandis­ing e quotizaçõe­s em queda, o que podia ser um balão de oxigénio é afinal a corda na garganta.

Não o seria se o futebol francês tivesse boas finanças. A chegada do dinheiro árabe, com a compra do Paris Saint-Germain pela Qatar Sports Investment de Tamim bin Hamad Al Thani em 2011, trouxe consigo a ilusão da abundância. A pandemia deixou a nu as enormes vulnerabil­idades criadas pela ganância dos últimos anos.

No centro da polémica está a Mediapro, empresa espanhola com sede em Barcelona, que desde 2018 é detida em 53,5% pela Orient Hontai Capital, uma subsidiári­a de capital de risco da chinesa Orient Securities (os jogos são marcados tendo em conta o fuso horário de Pequim). Sem conseguir revender os direitos adquiridos pelo preço que previa, a Mediapro decidiu distribuir os jogos em França através do seu próprio canal de televisão por subscrição. Os números – não oficiais – que circulam na imprensa francesa dizem que a aposta é um fiasco. Sem conseguir rentabiliz­ar o que pagou, a empresa fundada e gerida pelo produtor de cinema Jaume Roures, quer renegociar o contrato com a Liga de Futebol Profission­al (LFP).

O português André Villas-Boas, treinador do Olympique de Marseille, foi uma das vozes sonantes do descontent­amento. “Nunca vi nadada asassim na minha vida. Um tipo apresenta-se como o grande salvador do futebol francês e agora não tem dinheiro para pagar o contrato? É um absurdo”. Ainda mais absurdo é a LFP não ter exigido uma garantia bancária à Mediapro e achar-se agora na contingênc­ia de ter de arranjar um financiame­nto de emergência que permita distribuir algum dinheiro pelos clubes. Amadorismo e irresponsa­bilidade.

A Mediapro até já tinha fama. Em 2007, protagoniz­ou uma guerra feia com a Audiovisua­l Sport, a quem tinha cedido a transmissã­o dos jogos do campeonato espanhol. Quis romper o contrato, o caso foi para tribunal, houve partidas retransmit­idas em sinal aberto e, no fim, indemnizaç­ões milionária­s.

De repente, todo o ecossistem­a do futebol francês ficou posto em causa. A LFP tem as mãos atadas. Com a pandemia de novo a crescer e a forçar medidas cada vez mais restritiva­s, é certo que o valor dos direitos televisivo­s vai emagrecer, seja num novo acordo com a Mediapro, seja na atribuição a um novo comprador.

O caso serve de aviso para o risco que representa a dependênci­a excessiva das receitas de televisão e de um só comprador dos direitos. Por cá, felizmente, quer a NOS quer a Altice vão bem de saúsaúde.

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