“Vamos pagar muito caro a médio e longo prazo”
ç Até cinco milhões de mortes por ano poderiam ser evitadas, a nível mundial, com um aumento da atividade física, estimou a Organização Mundial de Saúde. Um número que em altura de pandemia e consequente confinamento deixa os especialistas nesta área ainda mais preocupados com os efeitos a médio e longo prazo desta paragem forçada. Especialmente quando falamos de crianças... Se a OMS sugeriu que devem ser destinadas pelo menos duas horas e meia a cinco horas, por semana, para atividade aeróbica moderada a vigorosa, no caso dos adultos, para crianças e adolescentes, a média recomendada é de uma hora por dia. Feitas as contas, num cenário normal, quatro em cada cinco adolescentes não praticam qualquer exercício físico, algo que neste momento é naturalmente pior, degenerando em graves problemas, especialmente porque a atividade física regular é fundamental para a prevenção e controlo de doenças cardíacas, diabetes ou cancro. O professor Carlos Neto é um dos maiores especialistas na área da brincadeira e do jogo e autor do livro ‘Libertem as crianças’, publicado no final de 2020 pela Contraponto, onde destaca a urgência de as crianças brincarem e serem ativas. Em contexto de pandemia esta obra ganha uma ç O professor Carlos Neto destaca ainda que para além dos óbvios problemas que estão a afetar esta faixa da população a nível mental, há também problemas físicos que serão complicados de erradicar num futuro próximo. “Há um sofrimento e uma angústia que se estão a instalar, que terão sequelas na saúde mental, mas acima de tudo na saúde física. As crianças estão com baixa de peso, houve uma regressão nas suas habilidades motoras e isso diz muito da saúde física. É dimensão ainda mais especial, como o autor salienta a Record. “Antes do confinamento, já as crianças e jovens estavam confinadas. Movimentavam-se pouco, estavam muito em frente aos ecrãs, aos telemóveis... E com um grau de literacia motora, e eu digo mesmo analfabetismo motor, muito elevado. Ou seja, já havia preocupação em relação ao aumento da obesidade, sedentarismo, diabetes e também em doenças do foro psicológico”, começa por algo que me preocupa”, indica, antes de apontar caminhos para aquilo que pretende destacar: “Somos o País da Europa com menos nível de mobilidade ao nível das nossas crianças e jovens. Pela falta de contacto com o meio natural, e claro, pela falta de políticas públicas. Não temos cidades ativas, famílias ativas e crianças ativas. Esta pandemia veio confinar completamente o corpo. O corpo está em lugar incerto. Na escola só entra o cérebro, na vida quotidiana o corpo não tem ludestacar. “Temos 200 mil jovens sem possibilidade de prática desportiva, o que significa que vamos pagar a médio e longo prazo muito caro o facto de termos crianças e jovens que já tinham uma prática regular e deixaram de a fazer. Isto está a provocar um abandono desportivo como nunca se viu e a criação de uma situação dramática em pequenos clubes, associações regionais e recreativas”, assegura, criticando a “falta uma agenda política naquilo que é a formação desportiva”.
ESPECIALISTA DIZ QUE A PANDEMIA “VEIO CONFINAR O CORPO”
O confinamento acabará por determinar uma óbvia fatura no futuro. “Esta pandemia veio trazer outro problema. As crianças deixaram de ser ativas, não se movem e estão sentadas nas escolas e em casa. Estas regras sanitárias eliminaram a possibilidade de que crianças e jovens se possam movimentar de forma livre. Agora nem nos espaços públicos podemos fazer essa prática desportiva. Há aqui uma situação problemática que aumenta o grau de sedentarismo ainda mais depois desta pandemia. Principalmente nas primeiras idades, em que são fundamentais hábitos para o desenvolvimento motor, cognitivo, mental e social”, destaca o professor Carlos Neto. gar, e ainda para mais com este distanciamento físico, como se esta fosse uma categoria possível de se ignorar na componente humana. Temos de acabar com esta visão do cérebro para um lado e o corpo para o outro.” Quanto ao futuro, poucas dúvidas: “Não há uma agenda política robusta em termos de pandemia para que as crianças e jovens tenham atividade desportiva em Portugal. Tudo isto tem uma sequência inevitável naquilo que é o futuro da prática desportiva.”
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