O desassossego do leão
OS ADEPTOS E (ALGUNS) JOGADORES DO SPORTING OLHAM PARA O RESTO DA LIGA COMO UMA EMPREITADA COMPARÁVEL A ESCAVAR UM TÚNEL COM UMA COLHER
çO Sporting de Amorim já entrou na história por ter somado o 26.º jogo consecutivo da Liga sem perder e por ter, com isso, igualado o melhor registo do clube – alcançado na regência de Bölöni. Mas o futebol é mais efémero do que uma melindrosa orquídea: bastaram dois empates, em seis dias, para que os mais encabulados adeptos leoninos ficassem ainda mais cismáticos com a possibilidade de o clube ficar tristemente nos anais domésticos como o primeiro que desperdiçou a vantagem de 10 pontos na derradeira quarta parte da Liga.
O duplo desperdício frente a Moreirense e Famalicão
teve um impacto desmesurado, mais compreensível em quem acumulou desilusões ao longo de quase duas décadas. E nem os atuais 6 pontos de vantagem sobre o perseguidor mais abeirado (margem notável em condições normais) sossegam quem já olha para as derradeiras oito jornadas como uma empreitada comparável a escavar um túnel com uma colher. Impugnar este tipo de de- sassossego é, nesta altura, a principal urgência dos respon- sáveis. Até porque já houve sinais suficientes de que a jovem equipa leonina (ou parte dela)
Conseguir o empréstimo de Porro (dois anos) junto do City foi um achado. E a recente chamada do lateral à seleção principal espanhola tornam a cláusula de opção (8,5 M€) ainda mais interessante. Mas Porro precisa de melhorar muito o jogo aéreo, cujas deficiências contribuíram para o golo do Famalicão
também se deixou contaminar pela ansiedade.
Esse trabalho mental terá tam- bém de ser feito pelo treinador
e, para tal, não ajuda que Rúben Amorim some reações nervosas e brejeiras que já lhe custaram, esta época, o recorde de quatro expulsões. Insinuar que os árbi- tros são uns artistas (corrigiu de- pois, mas aí já a mensagem subliminar tinha passado) mostrou que, também ele, não resiste às teorias da conspiração que, nou- tras alturas mais radiantes, pro- meteu combater.
Os dois empates não foram inesperados.
Há muito havíamos alertado que o Sporting an- dava numa fase em que marcava mais do que jogava. O índice alto de aproveitamento das escassas situações de golo criadas foi disfarçando o débito de jogo. Essa fase menos exuberante coincidiu com o crescimento fu- tebolístico do FC Porto e do Ben
O uruguaio Ugarte tem tudo o que se exige a um médio-centro moderno: é um ‘box-to-box’ fortíssimo nos duelos e no jogo aéreo, trata bem a bola, tem remate e é raro ver um jovem de 20 anos com tanta cultura tática. O Famalicão contratou este internacional sub-23 em dezembro por 3 M€ (80% do passe). Não há muitos como ele na Liga e vai render bom dinheiro
fica, o que era expectável. Porque todas as equipas atravessam fases de maior irregularida- de e porque o Sporting tem menos qualidade no plantel. E reco- nhecê-lo só abona a favor da estrutura e do próprio treinador.
Amorim percebeu o perigo
de os adversários estarem cada vez mais competentes no uso do contraveneno (normalmente passa por um bloco compacto e médio/baixo) que prejudica a fluidez leonina. E arriscou o plano B (3x5x2) frente ao Moreiren- se, juntando Daniel Bragança a Palhinha e João Mário no miolo. Houve melhorias na construção, mas também um adversário sólido, bem orientado e que beneficiou de um golo anulado ao Sporting por um fora-de-jogo de dois centímetros…
A vontade de surpreender fez Amorim regressar ao 3x4x2x1
perante o Famalicão, sendo que o golpe de asa, desta vez, passava pela troca de posições de Pote com João Mário. Não resultou. Desde logo porque João Mário é hoje muito mais um jogador de construção do que de roturas, o que só aconselha aquele posicionamento (em que chegou a destacar-se na Seleção) em jogos com outras características. Mas também porque este Famalicão já não tem nada a ver com a manta de retalhos do início época, fruto dos reforços em janeiro e da entrada de Ivo Vieira, que repôs as ideias do tempo de João Pedro Sousa, a quem talvez ganhe no pragmatismo. O Fama não só condicionou a primeira fase de construção do Sporting e a ligação a Porro e a Nuno Mendes, como controlou a largura e a profundidade com o recuo, para o meio dos centrais, de Gustavo Assunção, que quase meteu Paulinho no bolso (a exceção foi a assistência para Pote). Reconhecer o mérito alheio faz mais sentido do que discutir a valia (e o custo) de Paulinho, como se clamou nas redes sociais.
Faltam oito jornadas e, como disse Amorim, “vai ser divertido”
assistir à ponta final da Liga. A frase saiu-lhe no fim da conferência, quando já recuperara a jovialidade. E esse momento de relaxamento acabou por ser a mensagem de tranquilidade que se aconselha a adeptos e (alguns) jogadores que olham para o resto da Liga como uma contenda quase tão complicada como correr a maratona com a bexiga cheia…
QUE RÚBEN AMORIM SOME REAÇÕES NERVOSAS E EXPULSÕES