A grande oportunidade
AS ELEIÇÕES NO BENFICA REPRESENTAM UMA OPORTUNIDADE QUASE ÚNICA PARA COMEÇAR A PROMOVER UMA TRANSIÇÃO DE CICLO NO CLUBE E NO FUTEBOL PORTUGUÊS MAS, TAMBÉM, NA RELAÇÃO DO PODER POLÍTICO COM O DESPORTO-REI
çAs eleições no Benfica representam uma oportunidade quase única para começar a promover uma transição de ciclo no clube e no futebol português mas, também, na relação do poder político com o desporto-rei.
Pegando na ideia da ‘limpeza
ética’ aqui deixada por Pedro Adão e Silva, que aponta algumas pistas para o clube, nomeadamente um código de conduta que evite o habitat de relativização e indiferença face aos evidentes conflitos de interesses que alguns casos recentes revelam, há que sublinhar a necessidade de avançar neste sentido mas numa frente mais ampla, que abarque todo o futebol. Os conflitos de interesses que prosperam na propositada confusão entre o património, a receita e os interesses dos clubes com os dos presidentes, dirigentes e um exército de gente que serve uns e outros, são a marca de água do futebol desde que existem sociedades anónimas desportivas. E isso é o princípio da morte lenta do mais belo desporto alguma vez inventado.
O Benfica é apenas um dos casos mais simbólicos, pela sua grandeza, desta degradação ética. O que dizer, por exemplo, de um clube como o FCPorto, gerido há mais de três décadas pelo mesmo presidente e em relação ao qual se levantam não só suspeitas idênticas como até mais antigas!?
Não precisamos sequer de
aprofundar muito a evocação do célebre caso da imobiliária de
Cedofeita, revelado no contexto do Apito Dourado, portador de factos muito suculentos em ma- téria de transferências, comissões, empresas de fachada e paraísos fiscais, mas que naufragou num ruidoso arquivamento. Basta atentar em algumas das transferências mais recentes, que são uma parte do objeti- vo da investigação do Cartão Vermelho, para perceber a real extensão do problema.
Num momento em que grandes Ligas, como a francesa, apesar de exceções megalómanas conhecidas e alimentadas por dinheiro do Qatar, como a do Paris Saint-Germain, se desdobram em medidas para salvar os clubes, a sua solvabilidade e, com isso, o futebol, talvez tenha chegado a hora, primeiro no Benfica, depois nos outros, de mudar de vida. A todos os níveis. Das finanças fantasiosas à transparência, da mitomania à realidade, da cosmética montada em torno da famosa ‘verdade desportiva’ até ao respeito sagrado pelas regras do jogo e de um espírito competitivo autêntico. Já agora, acabando com as comissões de honra pejadas de políticos, juízes e polícias, ou almoços de celebração dos triunfos desportivos no Parlamento, transformados há muito em corrente liturgia de puro lobbie.