O fim da solidão de Rafa
A ÉPOCA PASSADA, O VELOZ EXTREMO ENCARNADO ERA UMA VOZ SOLITÁRIA NUMA ORQUESTRA DESAFINADA. FALTAVAM-LHE ACOMPANHANTES. ESTA TEMPORADA TUDO MUDOU E A VÍTIMA MAIS EXPRESSIVA, ATÉ AGORA, FOI O GRANDE BARCELONA
No ano passado, Rafa era uma voz solitária numa orquestra desafinada. A sua indiscutível classe não tinha grandes acompanhantes, numa equipa sem alma e sem liderança. A incapacidade de Darwin em encaixar no futebol de Rafa era o impiedoso retrato de um Benfica inofensivo. Nesta época, tudo mudou e a vítima mais expressiva, até agora, foi o grande Barcelona.
Não vale a pena fazer um rodriguinho de rivalidade clubística
e lembrar que este Barça sem Messi é outra coisa, como se os catalães fossem um Alguidares de Baixo mais lustroso. O Barcelona já não é nem mais do que um clube, na cartilha independentista da nação catalã, nem mais ou menos uma imobiliária, como era definido em alguns círculos catalães na era de Josep Luís Nunez, o presidente que criou uma implacável dinâmica de negócio ao clube.
A loucura inflacionista, como já aqui escrevi,
desatada com a renovação do contrato de Messi, conduziu o clube à crise actual. Mas, para todos os efeitos, em particular os de recorte futebolístico, o Barça ainda é uma potência na arte de jogar à bola. Não vale a pena ir por aí para di- minuir um facto incontornável: a vitória contundente de 3-0 conseguida pela equipa de Jorge Jesus é um feito notável, que abre as escotilhas de saída das profundezas de um certo miserabilismo competitivo, marca inegável do futebol português na Champions, para um patamar superior que abre ao Benfi- ca grandes perspectivas despor- tivas e financeiras para esta época. E Rafa é o maior artífice da qualidade futebolística dos encarnados, hoje muito mais acompanhado, em termos globais, por uma equipa mais sólida, com mais potência finalizadora e mais solidez defensiva. Rafa já não é um génio solitário a vaguear por um relvado onde a bola era mal tratada, sem perí- cia e sem coerência táctica.
Assim saiba Rui Costa acompanhar a genialidade do pequeno Rafa
na complexa arte da gestão de activos evanescen- tes, como são todos os que dependem do talento e da fortuna, com particular expressão no futebol. Ganhar no campo e no terreno do fraco dirigismo clubístico, onde se afirma “o primeiro e mais persistente problema” do futebol português, como ontem acertadamente escreveu aqui Octávio Ribeiro, seria ouro sobre vermelho para um Benfica a inaugurar uma nova e venturosa era na sua história.