“Eu também cresci a jogar à bola na rua”
JORGE COSTA
Quando chegaram aos clubes dos quais se tornaram símbolos absolutos, o que vinha de trás?
T – Primeiro temos de situar-nos no país em que vivíamos, na década de 50, no meu caso, num Portugal a preto e branco, parafraseando Miguel Torga (1907-1995). E a preto e branco porquê? Porque era um país cheio de carências, mais ainda numa aldeia em que, apesar do analfabetismo, tínhamos o privilégio de usufruir de duas escolas, uma para rapazes e outra para raparigas. E, depois, tínhamos o largo da escola onde, com as sacolas da altura, construíamos o cenário para os jogos do “muda aos 5, acaba aos 10”. Foi uma infância que, nas dificuldades, tenho de considerar feliz.
E como chega o futebol a sério?
T – Um dia fui a um dos clubes mais representativo da região, o Anadia Futebol Clube. Dei o passo seguinte, aceitando a proposta da Académica, onde fiz o estágio que permitiu a transferência para o Benfica. Cheguei à Luz numa fase de transição entre o Benfica europeu para a equipa do início dos anos 70.
Ecomofoitodoessepercurso,na fase inicial, em termos estritamente emocionais?
T – Numa aldeia como era Mogofores, o grosso dos jovens eram do Benfica ou do Sporting. O meu pai era do Belenenses e eu segui-lhe as pisadas. O meu ídolo era o Matateu, que só conheci mais tarde, na segunda metade dos anos 60, quando jogou no Atlético.
E como foi com o Jorge Costa?
JC – Há muitos pontos de contacto com a infância do Toni. O país já não era a preto e branco, mas continuava muito pouco colorido. Tal como ele, cresci a jogar futebol na rua. Morava num bairro do Porto, saía da escola com amigos e jogávamos até anoitecer. Gostava muito de fazê-loeporissocomeceitardenofutebol federado – alguns deles foram para o Foz e eu fiquei quase sozinho, acabando por ir também. Com 15 anos fiz um ano como juvenil no Foz. Três clubes interessaram-se, entre eles o FC Porto. Fui a uma reunião com o meu pai, na qual o presidente tentou dissuadir-me de sair, por razões académicas.
E o seu pai foi sensível ao apelo?
JC – Respondeu que “o miúdo deci- de” e eu, está bom de ver, tive a de- cisão mais fácil da minha vida. Op- tei pelo clube do meu coração. Lembro-me de ter acabado a época no Foz e de ter começado logo a treinar no FC Porto, com o míster Costa Soares. Certo dia falhei um treino, porque não me apetecia ir – e no Foz fazia o que me apetecia.
“JOÃO PINTO, JAIME MAGALHÃES, SEMEDO, ANDRÉ… FORAM ELES QUE ME TRANSMITIRAM A CULTURA DO FC PORTO“
Ali não era bem assim…
JC – Pois não. Costa Soares teve uma conversa dura, na qual me fez ver que não podia dar-me ao luxo des- sas atitudes. Entendi a mensagem e prossegui a formação no FC Porto, com saídas para Penafiel e Maríti- mo.
Como foi chegar às Antas e cru- zar-se com as grandes referências?
JC – Foi tremendo. Esses jogadores ensinaram-me os fundamentos do que se convencionou chamar de místicaportista.Paramim,místicaé aprenderajogarporamoràcamiso- la e amor pela profissão. Houve jo- gadores decisivos para me ter tor- nado no jogador que fui, como João Pinto, Jaime Magalhães, Semedo, André… Foram eles que me trans- mitiram a cultura do FC Porto. Ga- ranti o seguimento desse espírito coletivo e transmiti a mensagem que contribuiu para selar a ideia de queoFCPortoéumclubeespecial.*
JORGE COSTA