Os médios também se querem baixinhos
DANIEL BRAGANÇA E VITINHA FOGEM AO PROTÓTIPO DE MÉDIOS-CENTRO DE DISTINTA DIMENSÃO FÍSICA. DIFERENCIAM-SE, SIM, PELA INTENSIDADE CEREBRAL QUE LHES PERMITE TORNAR O JOGO MAIS DELEITOSO. PELA RELAÇÃO FÁCIL COM A BOLA, REFLEXO DE VIRTUOSISMO, PELO CRITÉRIO E INTELIGÊNCIA PARA TOPAREM A MELHOR SOLUÇÃO E PELA FORMA OUSADA COMO ARROGAM OS CORDELINHOS DAS PARTIDAS
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A saída de João Mário, numa opção que terá sido centrada em quesitos financeiros e que possui todos os ingredientes – pela sua transferência para o rival Benfica, onde assume papel nuclear no modelo de Jorge Jesus – para se metamorfosear numa longa novela, não expressou um espessar da aposta imediata em Daniel Bragança por parte de Rúben Amorim. Nem era suposto que isso acontecesse. Sendo a titularidade de Palhinha indiscutível, ainda por cima robustecida com um arranque de exercício fortíssimo, ao adir virtudes nos passes médios e longos, além de belicosidade na definição a partir de lances de bola parada laterais, à tradicional contundência na imposição em duelos pelo ar ou no solo, a opção para seu companheiro na zona central, tendo em conta a evolução do pretérito exercício, era Matheus Nunes. O que sucedeu. O novo internacional luso, que se tornou no primeiro jogador a op- tar pela nacionalidade portugue- sa em detrimento da brasileira com a perspetiva de debutar pelas duas seleções, pode não ofere- cer a pausa e o critério às ações de construção e de criação como Bragança, mas é claramente mais físico, mais agressivo defen- sivamente e preenche um raio de ação mais amplo, o que vai ao en- contro do que Amorim pretende para a posição 8. Depois, apresen- ta predicados interessantes no capítulo do passe, mostrando cada vez mais arrojo na rutura, além de se destacar pelos impulsos na condução a provocar o ‘1x1’, o que lhe permite queimar linhas e surgir em zonas de finalização.
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O que constituiu maior fa- tor de surpresa foi o tempo de utilização exíguo de Bragança até debutar como titular em Arouca. Até aí, em 10 jogos, o mé- dio-centro canhoto não foi opção em 4 partidas, e nas restantes 6 apenas somou 75 minutos. O que se revelava diminuto, até pela lesão de Pote, ausente desde 28 de agosto, o que retirou clarividência no assalto ao último terço por parte dos leões, que perderam o seu principal finalizador. A debacle europeia, em Alvalade, ante o Ajax (1-5) levou a que Amorim percebesse que o desenvolvimento dos leões na altíssima competição passasse por encontrar variantes dentro da inegociável organização estrutural entre o 5x2x3 (em momento defensivo) e o 3x4x2x1 (em momento ofensivo). Em momento defensivo, o Sporting, em Dortmund, já se aproximou do 5x4x1, colocando os avançados interiores na zona intermédia, o que contribuiu para que os teutónicos sentissem mais arduidades para criarem oportunidades. Em momento ofensivo, os jogos do campeonato serviram para colocar em prática um desdobramento em 3x5x2, que já havia sido ensaiado no úl- timo terço da época passada.
Primeiro, fomentando o recuo de Sarabia para o espaço interior, lançando Paulinho e, principalmente, Nuno Santos ou Tiago Tomás como referências no assalto à profundidade a par- tir do centro-esquerda. Em Arouca, promovendo a titularidade de Bragança ao lado de Pa- lhinha, projetando mais Matheus Nunes, responsável por ser o quinto homem do meio-campo e o terceiro do ataque, com Paulinho e Sarabia, a partir do centro-direita.
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Daniel Bragança não marcou na deslocação a Arouca, nem sequer realizou as assis- tências para os tentos de Matheus Nunes e Nuno Santos, mas foi a partir do seu pé esquerdo que foram esboçadas as ações que redundaram em golo. Isto porque a presença em campo da sua geometria associativa tornou as saídas para ataque mais competentes e persuasivas, aproveitando a sua competência na condução e, principalmente, na distribuição através do passe e na leitura do jogo para estabelecer ligações verticais bem-sucedidas com as unidades mais adiantadas, sobressaindo a forma como comunica com Sarabia, jogador com quem partilha a linguagem futebolística. Até porque Bragança é tecnicamente muito refinado, o que lhe afiança a capacidade para definir com qualidade ao primeiro toque e por encontrar celeremente a melhor solução para escapar à pressão rival, deparando os espaços vazios que permitem aos leões acelerarem o jogo com critério. Como mais nenhum médio do atual plantel do Sporting consegue conceber, replicando um papel que transformou João Mário num dos protagonistas do título nacional em 2020/21. Uma garantia de titularidade? Não. Mas, seguramente, um aval para ampliar ex- ponencialmente os minutos de utilização nos próximos 11 jogos, mesmo com Pote a regressar às opções, suportada pelo prolongamento do vínculo até 2025 com justo aumento salarial.
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Após um ano de cedência ao Wolverhampton, que, em ano de contrição no assalto ao mercado, não exerceu o direi- to de opção para a aquisição a título definitivo, Vítor Ferreira regressou ao FC Porto sem grandes firmezas sobre o futuro. Por isso, só debutou à quarta jornada, como suplente utilizado ante o Arouca, e apenas na sétima partida fez a sua première como titular na goleada caseira (5-0) ante o Moreirense, em que se assumiu como um dos melhores em campo. Se, à partida, parecia ser a quinta opção para o centro do meio-campo, atrás de Uribe, Sérgio Oliveira, Bruno Costa e Grujic, os derradeiros 4 jogos, em que somou 282 minutos (3 vezes titular; uma vez suplente utilizado), confirmam Vitinha como unidade cada vez mais nuclear e diferenciadora na versão 2021/22 dos dragões de Conceição. Se é certo que não se distingue pela dimensão física e pela imposição em duelos, o jovem que o FC Porto descobriu, em 2011, na Casa do Benfica da Póvoa de Lanhoso é, claramente, o mais virtuoso do quinteto de médios-centro, e o mais capaz de oferecer intensidade cerebral às ações de construção, condução e criação dos azuis-e-brancos, além de registar cada vez maior sagacidade na reação à perda e na antecipação em momento defensivo. Mas será sempre com a redondinha nos pés que mais sobressairá. Porque tudo principia e finda na sua relação umbilical com a bola, empregando a superior qualidade técnica e a agilidade com que recebe e avança destemidamente, além da visão de jogo e da qualidade no passe a diferentes distâncias, para sair da pressão e deparar os espaços vazios que permitam acelerar o jogo. Com a bola colada ao pé direito em condução enérgica, ou fazendo-a chegar com critério à melhor solução, mesmo que não seja a mais expetável, tanto ao encontro do corredor central como dos corredores laterais, seja em direção às entrelinhas ou no assalto à profundidade. Além disso, revela facilidade no remate de meia-distância, e é especialista nas bolas paradas.
OS DOIS TALENTOS PRECISARAM DE TEMPO ATÉ OS TÉCNICOS OS UTILIZAREM MAIS