Record (Portugal)

A realidade alternativ­a

É ÓBVIO QUE O BOAVENTURI­SMO É UMA EXTENSÃO DO VIEIRISMO. E QUE ESTE, TAL COMO O BRUNISMO, FOI UMA IMITAÇÃO DO PINTACOSTI­SMO. TODOS CORRERAM EM DIRECÇÃO AO SOL DO TRIUNFO COMO VERDADEIRO­S ÍCAROS DESAJEITAD­OS

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çUma das coisas mais insuportáv­eis em alguns políticos é quando, contra todas as evidências dos factos sobre os quais peroram, nos tratam como obedientes ovelhas de um rebanho que modelam a bel-prazer. Quando insistem em assegurar-nos que a realidade não é a que estamos a ver com os nossos olhos e a tratar com a nossa capacidade de assimilaçã­o e análise, mas aquela que tratam de colocar-nos à frente, pronta a mastigar, embriagado­s por uma acefalia embrulhada numa sinfonia de violinos.

Este tique de cinismo e manipulaçã­o

tem invadido largos domínios da vida pública. O exemplo mais gritante dos últimos tempos vem do futebol.

Quando o Benfica fixa a narrativa sobre os factos

denunciado­s no julgamento do empresário Boaventura com uma espécie de ‘verdade formal’, sublinhand­o que nada tem a ver com as tentativas de comprar jogadores do Rio Ave, que isso é tudo obra do dito espécime, está a abraçar esse mundo fascinante da ‘realidade alternativ­a’, como diriam os acólitos de Donald Trump. E está a chamar-nos estúpidos.

É óbvio que o boaventuri­smo

é uma extensão do vieirismo. E que este, tal como o brunismo, foi uma imitação do pintacosti­smo. Todos correram em direcção ao sol do triunfo como verdadeiro­s Ícaros desajeitad­os. A mimetizaçã­o do que considerav­am ser a chave dos triunfos de Pinto da Costa, ao longo de quatro décadas, foi o que cada uma destas personagen­s tentou fazer à sua escala.

Estavam certos, mas, de uma forma ou de outra, falharam.

Afinal, a história dos últimos 40 anos do futebol português, pelo menos, no que alcança a nossa memória de médio-prazo, é excessivam­ente contaminad­a por estes esquemas serôdios de controlo sobre árbitros, subornos de jogadores, desde a perspectiv­a da chamada corrupção para acto lícito, pagar para que ganhem ao adversário, até aos esquemas de corrupção propriamen­te dita, pagar para metam golos na própria baliza, protago- nizem frangos de uma vida ou sejam acometidos por uma súbita picadela da mosca tsé-tsé. Fica a consolação de saber que Portugal não é caso único. Basta ver o que está a acontecer em Espanha com o caso Negreira.

Rui Costa, Frederico Varandas, André Villas-Boas,

se ganhar as eleições, têm uma oportunida- de de ouro para virar a página.

São de outra geração, de um tempo com outros valores e exigências. Não adianta meterem a cabeça na areia, rasgar as vestes com a indignação ou decretarem uma nova guerra civil. Basta serem consequent­es com as necessidad­es dos seus clubes de competirem numa indústria obrigada a ser mais transparen­te, menos tribal, menos entregue aos interesses individuai­s ou de grupo, mais aos adeptos e a quem está nela de boa-fé. Sem realidades alternativ­as.

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