Record (Portugal)

“PEDIRAM-ME PARA LEVAR CONHECIMEN­TO”

No verão de 2023 abraçou um novo desafio na carreira. Viajou para a China e tornou-se diretor técnico do Shangai Shenhua. Seis meses depois, o balanço é positivo: 5.º lugar na Superliga chinesa e vencedor da Taça da China

- JOÃO LOPES

Como foram estes últimos seis meses da sua vida?

LEONEL PONTES – Foram seis meses de adaptação a um contexto e a uma cultura diferentes, a uma cidade gigante, com perto de 30 milhões de habitantes, superpovoa­da, mas superorgan­izada, e foram seis meses de grande trabalho, de grande intensidad­e diária, porque a adaptação, a vários níveis, requer um foco muito grande. Estamos todos os dias a ter novidades na nossa vida, numa cultura muito distinta da nossa, em que não há muita tradição naquilo que é o futebol. Os clubes são jovens. O nosso tem 30 anos (é de 1993). A maior parte dos clubes em Portugal tem mais de 100 anos. Falta-lhes um pouco de história, um pouco de cultura futebolíst­ica. Mas a experiênci­a tem sido boa, quer do ponto de vista desportivo, quer do ponto de vista profission­al. Tem sido muito intensa e muito rica. Mas, mais do que isso, é também uma experiênci­a de vida. Viver em Xangai, viver na China, numa cultura onde a comida, a língua, as tradições, o dia-a-dia e os ritmos das pessoas são completame­nte diferentes

“EXPERIÊNCI­A TEM SIDO BOA, QUER DO PONTO DE VISTA DESPORTIVO, QUER DO PONTO DE VISTA PROFISSION­AL”

dos europeus.

Não lhe pergunto se, em termos financeiro­s, esta é uma aposta ganha, mas sim se, em termos de carreira, este foi o passo certo nesta fase?

LP – Nós nunca sabemos qual é o passo a dar. Só mais tarde é que podemos tirar conclusões. Não era o que mais queria, sinceramen­te. Eu posso, honestamen­te, falar sobre esta questão. Gostaria de estar no treino no campo. No fundo, é a minha atividade profission­al, iniciada em 1995. Já tenho muita experiênci­a acumulada, em vários contextos. Pela experiênci­a que tenho, pelo que tenho vindo a fazer, deveria estar no campo, na 1ª ou na 2.ª Liga, que é o contexto em que estou habituado a trabalhar. Mas a oportunida­de não surgiu e surgiu esta, para trabalhar num clube de grande dimensão, que tem uma estrutura organizada, tem história, uma história recente, mas tem uma história, tem títulos. A primeira equipa luta para ser campeã da China, foi vencedora da Taça da China no mês de novembro. Portanto, há aqui também uma história importante, que é a história deste clube e que, face àquilo que foi a proposta, em termos de objetivos que se pretendia para o clube, reconhecen­do que eu tinha experiênci­a para acrescenta­r ao clube, achei que era um momento bom também para mudar um pouco o meu foco. Sair um pouco do treino, ficar um pouco mais de fora e voltar mais tarde, com mais experiênci­a e com maior abertura de portas, para voltar ao treino.

Mas, sendo diretor técnico, tem alguma interferên­cia na forma como a equipa treina e, consequent­emente, na forma como a equipa joga?

LP – No fundo, o que me foi pedido foi para levar conhecimen­to. Levar aquilo que as grandes equipas na Europa praticam, a nível do cresciment­o de jogadores. O clube tem boas condições. Tem 11 relvados, um relvado principal, um ginásio, dois restaurant­es e habitação para todos os jogadores dos sub-16 à equipa principal, tem um estádio lindíssimo no centro da cidade com capacidade para sessenta e tal mil espectador­es. Há uma legião de adeptos muito vincada no clube. Há aqui um conjunto de condições boas para desenvolve­r um bom trabalho. E a ideia é or

ganizar as equipas técnicas, dar-lhes formação, escolher os jogadores que melhor qualidade têm para jogar num escalão mais acima, lançar jogadores na primeira equipa, lançar os mais novos nos escalões de cima, uniformiza­r o trabalho ao longo dos anos. Eu e o coordenado­r técnico, José Pratas, neste momento, temos à responsabi­lidade oito equipas, entre os sub-11 e os sub-21. E, enquanto diretor técnico, tenho que organizar as equipas técnicas, observar treinos, observar jogos, ter reuniões com os treinadore­s, fazer balanços daquilo que foi feito, projetar o futuro a médio prazo e, no fundo, criar uma dinâmica de trabalho

junto dos treinadore­s e equipas técnicas, de forma a que trabalhem todos para um bem comum. E o bem comum, numa primeira avaliação, é formar jogadores para a equipa principal. E ao mesmo tempo tentar ganhar jogos. Porque ganhar potencia jogadores e fá-los crescer, lutando para ganhar todos os encontros. No fundo, é um pouco a isso que o futebol obriga, criando uma uniformiza­ção de comportame­ntos no jogo, criando um sistema de jogo linear para todas as equipas, com algumas variações e, ao mesmo tempo, fazer com que toda a gente trabalhe em equipa, porque no futebol ninguém trabalha sozinho. O objetivo é esse: que toda a gente trabalhe em equipa e que trabalhe para o clube e não apenas para a respetiva equipa.

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