Record (Portugal)

A atração dos milhões

Rentabilid­ade do negócio do futebol abriu espaço para uma nova vaga de agentes, com perfil distinto. Profission­ais oriundos da área do direito entre os que mais entraram no campo da intermedia­ção

- PEDRO MORAIS

“POSSO APLICAR 100 HORAS E GANHAR NUM PROCESSO O QUE, ENQUANTO ADVOGADO, DEMORAREI 30 OU 40 DOSSIÊS”

Ao longo dos últimos anos, o mundo do futebol atingiu um patamar de profission­alização que acarretou mudanças de fundo a todos os níveis. Do modelo de funcioname­nto das sociedades desportiva­s à maior regulament­ação vigente em áreas variadas, não há aspeto em que a evolução não se tenha feito sentir. Neste sentido, os campos das transferên­cias e da intermedia­ção não são, claro está, exceção. Sendo este um ponto estruturan­te do negócio do futebol, responsáve­l por mover milhares de milhões, é natural que seja também um dos mais escrutinad­os. Não obstante, acaba por revelar-se terreno fértil ao aparecimen­to de novos intervenie­ntes ou à transição de outros que já faziam parte do processo negocial, ainda que mais indiretame­nte.

Caso, por exemplo, dos profission­ais ligados à área do direito. Incluídos em muitos dossiês na pele de advogados, muitos aproveitar­am a malha mais apertada e a consequent­e exigência por outra qualificaç­ão para adotarem uma função mais central. As razões, segundo Luís Miguel Henrique, advogado de profissão, são fáceis de dissecar. “Dinheiro. É uma resposta politicame­nte pouco correta, mas para sermos sinceros é essa a razão principal. A título de exemplo: recentemen­te estive envolvido numa transferên­cia e a pessoa que foi intermedia­r era advogado. O intermediá­rio recebeu 1 milhão de euros e o advogado recebeu 80 mil. Tudo tem que ver com a escala de negócio, com rentabilid­ade. Posso aplicar 100 horas e ganhar num processo o que, como advogado, demorarei 30 ou 40 dossiês a ganhar. Posso aplicar o meu ‘networking’ de forma mais rentável”, apontou a Record o advogado de Jorge Jesus, mais habituado a ser parte ativa no aconselham­ento jurídico e na concretiza­ção das transferên­cias do que na intermedia­ção em si.

Ainda assim, Luís Miguel Henrique admite também que a maior presença de advogados no processo de intermedia­ção pode dever-se também à qualificaç­ão inerente à própria profissão. “O facto de ser advogado de carreira dá credibilid­ade e fornece infraestru­turas para aportar o valor para desenvolve­r essa atividade. Quem é advogado já fez o investimen­to de criar uma estrutura e basicament­e acaba por utilizá-la”, referiu, ainda que com uma ressalva importante. “Isto acontece não pela seleção, mas sim pela eliminação. Só consigo aceitar essa perspetiva não pelo fator de quem faz, mas de quem deixou de poder fazer. O maior escrutínio, maior provação no sentido dos recursos, leva a maior profission­alização. Não há mais por causa disso. Quem já tinha condições para fazer vai continuar a fazer. O que vai conseguir é eliminar ‘players’ antigos. Antigament­e qualquer pessoa com a 4ª classe podia fazer esse trabalho”, acrescento­u. Em relação ao apertar de malha sobre a intermedia­ção, Luís Miguel Henrique afirmou entender, mas com algumas reservas. “Os treinadore­s passam pelo mesmo com os níveis UEFA. Não podemos pôr um Jorge Jesus, um Mourinho ou um Paulo Fonseca a fazer as mesmas provas anuais que um miúdo que saiu da faculdade. Pôr pessoas ou empresário­s, devidament­e alicerçado­s, com contabilid­ade organizada e que fazem isto há 30 ou 40 anos não é a mesma coisa do que pôr alguém que faz há pouco tempo. Se hoje pusesse advogados com 30 anos de carreira a fazer o exame da Ordem, muitos não passavam. Não quer dizer que sejam maus advogados”, frisou.

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EXPLICAÇÃO. Luís Miguel Henrique e os novos intermediá­rios
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 ?? ?? PARADIGMA. A figura clássica do agente de futebol, o seu ‘background’, valências e formação têm vindo a conhecer alterações
PARADIGMA. A figura clássica do agente de futebol, o seu ‘background’, valências e formação têm vindo a conhecer alterações

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