A atração dos milhões
Rentabilidade do negócio do futebol abriu espaço para uma nova vaga de agentes, com perfil distinto. Profissionais oriundos da área do direito entre os que mais entraram no campo da intermediação
“POSSO APLICAR 100 HORAS E GANHAR NUM PROCESSO O QUE, ENQUANTO ADVOGADO, DEMORAREI 30 OU 40 DOSSIÊS”
Ao longo dos últimos anos, o mundo do futebol atingiu um patamar de profissionalização que acarretou mudanças de fundo a todos os níveis. Do modelo de funcionamento das sociedades desportivas à maior regulamentação vigente em áreas variadas, não há aspeto em que a evolução não se tenha feito sentir. Neste sentido, os campos das transferências e da intermediação não são, claro está, exceção. Sendo este um ponto estruturante do negócio do futebol, responsável por mover milhares de milhões, é natural que seja também um dos mais escrutinados. Não obstante, acaba por revelar-se terreno fértil ao aparecimento de novos intervenientes ou à transição de outros que já faziam parte do processo negocial, ainda que mais indiretamente.
Caso, por exemplo, dos profissionais ligados à área do direito. Incluídos em muitos dossiês na pele de advogados, muitos aproveitaram a malha mais apertada e a consequente exigência por outra qualificação para adotarem uma função mais central. As razões, segundo Luís Miguel Henrique, advogado de profissão, são fáceis de dissecar. “Dinheiro. É uma resposta politicamente pouco correta, mas para sermos sinceros é essa a razão principal. A título de exemplo: recentemente estive envolvido numa transferência e a pessoa que foi intermediar era advogado. O intermediário recebeu 1 milhão de euros e o advogado recebeu 80 mil. Tudo tem que ver com a escala de negócio, com rentabilidade. Posso aplicar 100 horas e ganhar num processo o que, como advogado, demorarei 30 ou 40 dossiês a ganhar. Posso aplicar o meu ‘networking’ de forma mais rentável”, apontou a Record o advogado de Jorge Jesus, mais habituado a ser parte ativa no aconselhamento jurídico e na concretização das transferências do que na intermediação em si.
Ainda assim, Luís Miguel Henrique admite também que a maior presença de advogados no processo de intermediação pode dever-se também à qualificação inerente à própria profissão. “O facto de ser advogado de carreira dá credibilidade e fornece infraestruturas para aportar o valor para desenvolver essa atividade. Quem é advogado já fez o investimento de criar uma estrutura e basicamente acaba por utilizá-la”, referiu, ainda que com uma ressalva importante. “Isto acontece não pela seleção, mas sim pela eliminação. Só consigo aceitar essa perspetiva não pelo fator de quem faz, mas de quem deixou de poder fazer. O maior escrutínio, maior provação no sentido dos recursos, leva a maior profissionalização. Não há mais por causa disso. Quem já tinha condições para fazer vai continuar a fazer. O que vai conseguir é eliminar ‘players’ antigos. Antigamente qualquer pessoa com a 4ª classe podia fazer esse trabalho”, acrescentou. Em relação ao apertar de malha sobre a intermediação, Luís Miguel Henrique afirmou entender, mas com algumas reservas. “Os treinadores passam pelo mesmo com os níveis UEFA. Não podemos pôr um Jorge Jesus, um Mourinho ou um Paulo Fonseca a fazer as mesmas provas anuais que um miúdo que saiu da faculdade. Pôr pessoas ou empresários, devidamente alicerçados, com contabilidade organizada e que fazem isto há 30 ou 40 anos não é a mesma coisa do que pôr alguém que faz há pouco tempo. Se hoje pusesse advogados com 30 anos de carreira a fazer o exame da Ordem, muitos não passavam. Não quer dizer que sejam maus advogados”, frisou.