A quadratura do círculo
O PERIGO DE AVB CAIR NUM PARADOXO COMUNICACIONAL SERÁ AINDA MAIOR À MEDIDA QUE PINTO DA COSTA SE SINTA MAIS AMEAÇADO E AUMENTE OS DECIBÉIS
AVB TINHA QUATRO ANOS QUANDO PINTO DA COSTA FOI ELEITO PARA O PRIMEIRO DE 15 MANDATOS
Sérgio Conceição irá manter-se, segundo foi noticiado, neutral na disputa eleitoral, o que faz sentido por se tratar de um funcionário do clube. Mas acabou involuntariamenteenvolvido quando Pinto da Costa, na entrevista à RTP, afirmou que tem dado ao técnico os reforços que estesolicita. Não faltaram imediatamente trabalhos jornal is tic os que lembram casos em que isso não terá acontecido,designa damentecom jogadores contratados ao Portimonense, mas não só. Mas há outra situação que deve ser levada em conta. Em 2021, Conceição pretendia um central eacon se lhou Kim Min-jae, central sul-coreano então com 24 anos que jogava nos chineses do Beijing Guoan. O FC Porto tentou contratá-lo, mas o jogador acabou por seguir o Fenerbahçe( depois mudou-separa o Nápoles e hoje joga no B. Munique ). Ameio da época seguinte, o FC Porto contratou David Carmo, dias depois do abalo da perda de João Victor para o Benfica. É verdade que Conceição acabou por dar o seu‘ agre em ent’ a Carmo, mas apenas após ter visto mal sucedidas as suas primeiras escolhas. E muito menos ratificou os 20M€ pag os aoSp. Braga.
Pinto da Costa foi acolhido em Fânzeres com fogo de artifício preso e um show de fado, perante 200 adeptos portistas (na sua maioria já vistos como seus apoiantes incondicionais) que aceitaram o repto para participa- rem no singelo jantar organizado pela Comissão de Apoio à Recan- didatura do atual presidente do FC Porto. No dia anterior, André Villas-Boas (AVB) tinha confirmado a sua candidatura às eleições de abril na luminosa e insigne Alfândega do Porto, perante 800 convidados, numa cerimónia em que nada foi deixado ao acaso, desde o apresentador mediático aos slogans gravados ao lado da efígie do requerente em placas gigantes, passando pelo telepon- to sabiamente usado por um pro- ponente que só não foi instruído para respeitar e arrebatar os períodos dos aplausos. São, obviamente, duas ocorrências distintas e que não autorizam grandes perorações. A não ser, talvez, um vislumbre sintomático do mais que previsível confronto eleitoral entre um passado desportiva- mente medalhado que foi perdendo unanimidade e é hoje escrachado por quem não aceita a atual decadência financeira e ou- tras perigosas licenciosidades e, por outro lado, a promessa de modernidade, rigor e transparência na regência de quem faz gala da condição de desafiador.
AVB tinha quatro anos quando Pinto da Costa foi eleito para o primeiro dos seus 15 mandatos. Mas conhece bem a história e a cultura do clube, por força dos seus ancestrais britânicos ligados às origens do FC Porto e da sua ligação ao clube enquanto adepto (e vizinho e amigo de Bobby Robson), treinador na for- mação, observador (no tempo de Mourinho) e, finalmente, técnico da equipa que, em 2010/11, ganhou o campeonato sem qualquer derrota, a Liga Europa, a Taça de Portugal e a Supertaça. Por força dessas experiências di- versas tem noção de que até os mais críticos da atual gestão esta- rão eternamente gratos ao, como ele próprio lhe chamou, “presidente dos presidentes”. Daí o cui- dado em salvaguar a figura de Pinto da Costa. Mas, ao mesmo tempo, fala numa gestão sem rumo, sem nexo e transparência, nas ameaças e na censura, criticando ainda a gestão financeira, desportiva, social e comunicacio- nal de um clube que diz “captura- do por um conjunto de interesses e de conflitos alheios ao FC Porto”. Este discurso bipartido é como se quisesse fazer uma qua- dratura do círculo e tentasse con- trariar os matemáticos que dizem ser impossível contruir com régua e compasso um quadrado com a área igual a um círculo…
AVB sabe que o sucesso despor- tivo ao longo destes anos tem assentado na cultura de exigência e no rigor que vigoram (do ponto de vista desportivo, entenda-se) desde que, no final dos anos 70, Pedroto e Pinto da Costa afrontaram os poderes instalados e acabaram com o Adamastor dos ‘andrades’, que já iam a perder por 1-0 quando o autocarro atravessava a ponte. Mas não ignora que esse espólio tem sido garantido, nos últimos seis anos e meio, à custa essencialmente das idiossincrasias muito próprias de Sérgio Conceição. E, tal como a generalidade dos adeptos mais probos, AVB também sabe que Pinto da Costa nunca teve como prioridade o equilíbrio orçamental – e isso notou-se mais desde que deixou de ter a seu lado quem o moderasse, como acontecia no tempo em que as finanças eram da responsabilidade de Angelino Ferreira ou Fernando Gomes, o atual presidente da FPF. Por isso, ao longo da campanha que se avizinha, irá ser cada vez mais difícil a AVB sustentar, sem apontar diretamente responsabilidades a Pinto da Costa, que o FC Porto está a perder competitividade desportiva por a sua SAD ter um passivo de 532M€ e uma formação, um scouting e estruturas que perdem na comparação com os seus rivais.
E essa gestão comunicacional correrá o risco de se tornar um paradoxo ainda maior à medida que Pinto da Costa se sinta mais ameaçado e aumente os decibéis, ele que já veio acusar AVB de ter abandonado a “cadeira de sonho” por dinheiro, de não ter percurso no clube para estar obcecado com a presidência e de ser apoiado pelos inimigos do FC Porto.
Sair desta ‘quadratura’ será o maior desafio de AVB, por muito que a entrevista de Pinto da Costa à RTP tenha acontecido antes de Cecília Pedroto e Jorge Costa se terem sentado na primeira fila na Alfândega…