Record (Portugal)

Bem-vindos a Hamburgo: aquela cidade que só aquece à base de bola

- Filipe Alexandre Dias Editor executivo

çDiz-se que em Hamburgo, a temperatur­a interior dos habitantes locais é inferior à temperatur­a ambiente. Na cidade que muito chamaram de ‘portões para o mundo’, a simpatia não é especialid­ade da casa. Mas se a conversa for futebol, o clima aquece com rapidez relampejan­te. Porto de referência, segunda maior urbe da Alemanha, amada pelos seus, detestada por tantos outros. Lugar ora com modernidad­es de vanguarda que tornam o ‘hamburger’ arrogante, ora dissoluto como poucos graças ao distrito de Reeperbahn, onde os Beatles se tornaram uma banda a sério, e todo o tipo de líquidos e poções se tomam com oferta de sexo à mistura. Mas há outros dois fatores que distinguem a cidade que ‘nada’ entre o Elba e o Mar do Norte: um chama-se Hamburgo SV e o outro responde por St. Pauli.

É isso mesmo: são os rivais

locais, que tanto tiveram a distingui-los no passado e agora lutam ombro a ombro no segundo escalão pelo regresso à Bundesliga. Quem diria?

Mesmo a agonizar na segunda divisão,

onde cada segundo conta depois de ter falhado com clamor o retorno ao escalão de topo na época passada, o Hamburgo faz parte da realeza futebolíst­ica germânica. Não se pode contar a história do futebol teutónico – nem mesmo a do europeu –, sem falar dos ‘dinossauro­s’, alcunha do Hamburgo. É que o emblema do norte foi um dos fundadores da Bundesliga em 1963, sagrou-se campeão nacional por seis vezes, ganhou três taças e atingiu a glória em 1982/83, quando venceu a Taça dos Campeões

Europeus. Eternizou heróis do jogo como Uwe Seeler, Magath, Hrubesch, Kaltz e Kevin Keegan. Mas a estrela do Hamburgo foi empalidece­ndo, até que a histórica descida – tanta vezes evitada ‘in extremis’ depois se de brincar ao destino –, finalmente apanhou o emblema do Volksparks­tadion, em 2018. Desde então, a vida é um inferno.

Mas se as paredes do Hamburgo são de marfim,

as do St. Pauli são de tijolo à vista e isso é um orgulho para os seus adeptos. Dando nome ao seu distrito, o St. Pauli passou a maior parte da existência nos escalões inferiores, mas tornou-se um clube alternativ­o, de culto. Sem títulos nem heróis e localizado na zona das docas, o St. Pauli é conhecido por muito mais do que futebol. O clube e os seus adeptos corporizam políticas de esquerda, ativismo social e o emblema alternativ­o (o ‘Jolly Roger’, símbolo pirata), tornou o St. Pauli muito mais parte da iconografi­a da cidade do que o rival, com quem, de resto, acabou de disputar o seu 20º jogo de toda a história.

Com tudo isto, o ‘ Hamburger Stadtderby’

ganhou finalmente vida e inflamou as almas futebolíst­icas locais. No jogo já disputado na primeira volta da 2. Bundesliga, deu empate (2-2) e os dois emblemas ocupam lugares no pódio da classifica­ção.

Quem está a ganhar mesmo é a cidade. Com mais bola,

Hamburgo perde a frieza glaciar dos seus. Apaga-se o duro trabalho de estiva nas docas. As luzes vermelhas de Reeperbahn deixam de ser sórdidas. A alegria sai à rua. Porque agora sim: ali há dérbi.

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