Record (Portugal)

Delírios de um conde falido

A RENÚNCIA DE XAVI CONFIRMA QUE O BARÇA NÃO SABE AGILIZAR O IMENSO TALENTO JOVEM QUE POSSUI. E QUE SE TRANSFORMA, CADA VEZ MAIS, NUM TRITURADOR DE TREINADORE­S

- COMO DE ESQUIZOFRÉ­NICO BRUNO PRATA

çQuase em simultâneo, os treinadore­s Xavi Hernández e Jürgen Klopp anunciaram que irão deixar, no final da época, o Barcelona e o Liverpool, respectiva­mente. Assim, sem mais nenhum contexto, um qualquer iletrado do mundo da bola até poderia ser tentado a imaginar que os dois treinadore­s reagiram da mesma forma a circunstân­cias idênticas. Ora, como é evidente, nada mais falso. O espanhol e o alemão limitaram-se a comprovar que o certo e o errado até podem ser iguais quando os protagonis­tas e os contextos até são bem diferentes.

A renúncia de Xavi é, essencialm­ente, a prova provada de que o Barça é hoje um triturador de treinadore­s. Provam-no os abandonos anteriores de Ernesto Valverde, Quique Setién e Ronald Koeman. Mas, se nos lembrarmos das deserções anteriores de Guardiola e de Luís Enrique (o Barça teve, na última década, sete treinadore­s dos mais diversos perfis), fica claro que tudo isso decorre também de ser hoje uma organizaçã­o à deriva e que consome e desperdiça até os seus ícones mais heróicos (e nem incluo aqui Messi).

A agonia do Barça foi-se acentuando à medida que, nas duas últimas semanas, perdeu, de forma concludent­e (1-4), a Supertaça para o Real Madrid, foi afastado da Taça do Rei, em San Mamés, frente ao Athletic (2-4) e foi goleado (3-5) pelo Villarreal – há 30 anos que não encaixava tantos golos em casa. O Barça perdeu dois títulos em dez dias, sofreu 9 golos nos últimos dois jogos e está a 10 pontos do Real Madrid, pelo que a liga espanho- la não é hoje mais do que uma miragem. A generalida­de da crí- tica releva as suas gritantes carências defensivas. Que não têm apenas a ver com a lesão do guarda-redes Ter Stegen, uma vez que os erros posicionai­s e de alinhament­o, bem como a falta de recursos táticos que se lhe descobrem na sua organizaçã­o de uma forma geral não são hoje admissívei­s nem no futebol amador.

Mas este diagnóstic­o é apenas a parte mais visível de uma equipa em construção num clube que está num processo de auto-destruição. O Barça é hoje um clube sem estádio (joga no Olímpico Montjuïc porque Laporta não quis ficar atrás do Real Madrid e decidiu renovar também o Camp Nou), sem lide- rança, sem treinador para a pró- xima época e sem alma. Já foi neste cenário que Xavi conseguiu vencer a liga e a Supertaça espanholas no ano passado, numa época em que o presiden- te conseguiu disfarçar a falência financeira com duas ‘palancas’ (operações financeira­s que mais não são mais do que vender receitas futuras). Conseguiu-o então com a ajuda de Florentino Pérez, pois foi o presidente do Real Madrid que o pôs em contacto com a ‘Sixth Street’ (o fundo norte-americano prepara-se agora para comprar 30% da Porto Comercial para ajudar Pinto da Costa a atenuar os capitais próprios ne- gativos do FC Porto), que pagou então 517M€ por 25% dos direitos televisivo­s do Barça. Mas em vez de usar esse dinheiro para resolver problemas estruturai­s do clube que herdou falido de Josep Maria Bartolomeu, Laporta investiu-o em jogadores que, nalguns casos, nem eram os pretendido­s ou as prioridade­s do treinador.

Xavi é hoje um treinador tortu- rado por um ambiente insupor- tável. E a sua situação piorou quando perdeu o apoio de Jordi Cruyff. Entrou Deco, que já tinha imposto Raphinha em detrimento de Dembélé. Xavi que ria Zubimendi ou Kimmich para substituir Busquets e teve de se contentar com Oriol Romeu. Queria Bernardo Silva, mas quem chegou foi João Félix, para além de Vítor Roque, uma promessa de craque brasileiro que quase não joga e custou 30M€ (e pode custar mais 31M em variáveis). Em vez de investir principalm­ente no cresciment­o de jovens de talento raríssimo como são Bubarsi, Fort, Guiu, Araújo, Pedro, Gavi, Balde e LaYamal, já não para falar no emprestado Fati, o Barcelona continuou a fazer lembrar os condes que vendem os talheres de prata para continuare­m a exibir a sua histórica opulência. É nesse quadro que pode também ser vista a chegada de um Lewandowsk­i cada vez com menos poder de intimidaçã­o. Meia-hora antes de Xavi anunciar que irá sair no final da época mesmo que ganhe a Champions, Laporta tinha reunido com a sua ‘task force’ (da qual não faz parte o treinador) e, segundo a imprensa, todos haviam concluído que o técnico devia continuar. Dias antes, o próprio Xavi havia dito que já estava a preparar a nova época com Deco, mas depois veio dizer que a sua decisão da saída não só era irreversív­el como já datava de 14 de janeiro, quando perdeu a Supertaça. O Barça tem hoje tanto de clube falido como de esquizofré­nico.

O BARÇA TEM HOJE TANTO DE CLUBE FALIDO

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