Um leão resgatado à indiferença
EDUARDO QUARESMA NÃO É UM FENÓMENO SÓ PORQUE FOI PERFEITO COM O FC PORTO. MAS O NÍVEL EXIBIDO AFASTA A OPÇÃO DE TER SIDO O DIA DE SORTE DE UM QUALQUER. A JOGAR COMO TEM FEITO DESDE ENTÃO, EM BREVE PODERÁ SER UMA REFERÊNCIA COMO CENTRAL
Tem sempre um argumento suplementar nas lutas que assume: é forte nos despiques diretos, inteligente a fechar diagonais defensivas, perfeito a avaliar tempos de contenção e desarme; não perde a marcação em zonas problemáticas e, apesar do acerto posicional cada vez mais depurado, assenta em impressionante velocidade de deslocamento, com a qual recupera o terreno perdido por alguma imprecisão cometida na abordagem – ou pelo superior talento de quem lhe surge pela frente. É um ótimo gestor da vantagem que corrige falhas instantaneamente. Aos 21 anos, é internacional português em todos os escalões entre os sub-15 e os sub-21.
Prometeu muito mas não cumpriu tudo. Está perante nova e surpreendente oportunidade para atingir o topo.
Eduardo Quaresma já sentiu as consequências
de comportamentos desviantes das responsabilidades como central. Não se trata de ser brilhante em determinado momento mas de fazer sempre o que deve; de ser indispensável reagir ao erro e dar continuidade aos gestos; nunca perder a concentração e manter-se em alerta máximo permanente. É muito novo para tanta e tão profunda desilusão em tão curso lapso temporal mas, à luz da atualidade, a afirmação falhada pode tê-lo consolidado como homem e futebolista.
EQ viu aumentada a responsabilidade
perante o treinador (que confia nele), os adeptos (que se sentem arrebatados pela sua vitória) e sobre ele próprio (erguido de um buraco de dúvida e des- crédito). Titular do Sporting, confirmadas qualidades técnicas, físicas e táticas, precisa agora de focar-se nas benesses do tempo; de interpretar a relevância da continuidade dos atos para consolidar a autoconfiança; de crescer segundo a convicção de que o prestígio cada vez maior pode ser a mola impulsionadora de um futuro brilhante e não apenas o álibi para se desleixar na evolução. EQ tem a responsa- bilidade de assimilar os efeitos desta segunda vida como elemento de uma autoridade mais consistente e não como sinal prematuro de apogeu.
O compromisso com o jogo,
o orgulho na profissão e a ilusão de ser alguém na vida; a regularidade na ação, a eficácia crescente em tudo quanto faz e o súbito consenso à volta do seu futebol devem funcionar como consolidação de competências, jamais como sinal de uma plenitude fictícia. EQ vive hoje a felicidade do reconhecimento consensual; da fase exuberante de uma carreira resgatada ao crivo do preconceito, da desmotivação, da indiferença e até da injustiça. Terá de inspirar-se nos altos e baixos do caminho já percorrido, nas agruras de uma viagem enquadrada por sonho, esperança e deceção, para entender que esta vitória pode não ser definitiva para a conquista maior que é atingir o topo da escala futebolística.
A saída de Alvalade
não deixava antever a renovação da confiança de Rúben Amorim, mesmo manuseando valores fundamentais a qualquer central do futebol moderno: é um condutor exímio, articulado, seguro, que conquista terreno com a bola dominada; que chega aos factos segundos antes de ocorrerem e cria desequilíbrios pela excelência de visão e passe. Se puder, amigo leitor, veja outra vez o jogo com o FC Porto e delicie-se com uma exibição monstruosa, ideal para figurar em qualquer enciclopédia de como estar e agir em campo.
EQ não é um fenómeno só porque foi perfeito no clássico.
Mas o nível exibido em tão ilustre palco não permite interpretar o mo- mento como o dia de sorte de um futebolista qualquer. Continuará a haver quem desconfie e profetize novo retrocesso à afirmação plena. É mais justo admitir que, a jogar como tem feito desde então, em breve poderá ser uma referência como central.
ESTA VITÓRIA PARCIAL PODE NÃO SER DEFINITIVA PARA ATINGIR O TOPO DA ESCALA FUTEBOLÍSTICA