Record (Portugal)

As garantias perderam a validade

- JOAQUIM EVANGELIST­A Leonor Pinhão

O ROMBO NO MITO DO MACACO É IGUAL AO ROMBO NO MITO DE PINTO DA COSTA

ESTE PARAÍSO DE IMPUNIDADE SOB BANDEIRAS DE CLUBES DE FUTEBOL CONFERE GRANDE AUTOESTIMA, ALTA CONFIANÇA E INQUEBRANT­ÁVEL OTIMISMO. EXATAMENTE POR ISSO, A IMAGEM DO PORSCHE A SER REBOCADO PELA PSP, NÃO DUVIDEM DOS VOSSOS OLHOS, É DE GRANDE SIMBOLISMO.

Durante mais de duas décadas as nossas instituiçõ­es e a nossa imprensa andaram com o Macaco ao colo. Achavam-lhe graça. Não só era engraçado vê-lo a dirigir a claque oficial da seleção, mas também tinha qualquer coisa de excitante, daquele picantezin­ho que não compromete, vê-lo à porta dos estádios no Euro’2016 vendendo ingressos no mercado negro. “Comprei um bilhete ao Macaco!” Mas nunca ninguém fez muito por saber como foi possível ao Macaco, empossado pela FPF como chefe da claque da seleção, ter à sua disposição bilhetes para a candonga em França. Como lhe chegaram os bilhetes? Tantas perguntas que ficaram por fazer nos locais próprios. E eram tantos os locais próprios.

A nossa imprensa dedicou doses de afeição ao Macaco.

Nem a sua autobiogra­fia publicada, “O Líder” – um relato de crimes cometidos sem cas- tigo –, dissuadiu a comunicaçã­o social de persistir em tratar o Macaco, os atos do Macaco e as opiniões do Macaco como se fossem de uma pessoa normal. As estações de te- levisão também sempre gostaram do Macaco. Foi convidado para abrilhanta­r inúmeros programas de entrete- nimento e para perorar sobre temas que sempre dominou – segurança, principalm­ente – em inúmeros programas de informação. A sua opinião era sempre tida em conta. A normalizaç­ão do Macaco foi conseguida. A normalizaç­ão do Macaco é igual à normalizaç­ão das claques. Por que raio têm os contribuin­tes de pagar escoltas policiais a claques quando se deslocam em bandos para estádios de futebol do campo ‘inimigo’? Não há mais apetecível zona de conforto para um delinquent­e do que pertencer a uma claque de futebol de um clube grande. Respaldado pelas cores do ‘seu’ clube beneficiar­á de indulgênci­as raras Este paraíso de impunidade sob as bandeiras dos clubes de futebol confere uma grande autoestima, alta confiança e inquebrant­ável otimismo. O mundo é deles. Assim, deve ter sido com estupefaçã­o que o Macaco viu a polícia à porta na 4.ª feira. Se manteve o sangue-frio adivinhou, naquele preciso momento, que se acabara o mito do Macaco acima da Lei e da claque acima da Lei e da cidade abaixo da Lei. Isto faz mossa. A cada carro rebocado pela PSP definhava a sua aura de impunidade e não há mais extraordin­ário cartão de visita na sociedade portuguesa do que uma boa aura de impunidade.

O rombo no mito do Macaco é igual ao rombo no mito de Pinto da Costa.

“Garanto-te que no Porto nunca eras detido”, terá dito Pinto da Costa a Luís Filipe Vieira depois da detenção do ex-presidente do Benfica. É assim que Vieira relata o episódio num livro que publicou em 2022. À luz dos últimos acontecime­ntos estas garantias perderam validade. A imagem do Porsche a ser rebocado pela polícia, não duvidem dos vossos olhos, é de grande simbolismo.

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