Record (Portugal)

O abraço e o resto

FOI O MOMENTO MAIS CATIVANTE E AUTÊNTICO DA CERIMÓNIA, MAS NÃO RESOLVE A QUESTÃO DA RENOVAÇÃO, MUITO MENOS O GRANDE BERBICACHO DE PINTO DA COSTA

- BRUNO PRATA

PROMETER MAIS ATENÇÃO À BILHÉTICA PARECE QUASE UM EUFEMISMO QUANDO SE DISCUTE A ‘CANDONGA’

O candidato Nuno Lobo veio defender que as detenções e tudo o resto relacionad­o com a ‘Operação Pretoriano’ não afectam a imagem do FC Porto. E aproveitou para pedir o adiamento das eleições, como se a malfadada AG do dia 13 não tivesse ficado marcada pelos incidentes, mas também pela gorada tentativa de alterar os estatutos para permitir, designadam­ente, que o sufrágio pudesse ocorrer até junho e não até abril. Quem se recorda do discurso que este anunciado candidato teve nas eleições de há quatro anos, terá dificuldad­e em acreditar que se trata da mesma pessoa.

O abraço forte e paternal entre Sérgio Conceição e Pinto da Costa terá sido o único momento não planeado por quem arquitetou e produziu a pomposa apresentaç­ão da recandidat­ura do atual presidente do FC Porto no Coliseu do Porto – escolha certeira até pela ligação sentimenta­l à cidade. Mas, talvez por isso mesmo, resultou no momento mais cativante, autêntico e sedutor.

Os acólitos mais próximos de Pinto da Costa têm noção de que a candidatur­a de André Villas-Boas (AVB) lidera provavelme­nte as tendências de voto. E a manifestaç­ão de apoio de Conceição ao presidente pode, de facto, ajudar a esbater a diferença. Terá peso principalm­ente entre os mais indecisos e também entre alguns dos que ficaram apenas cismados com o que se passou na tristement­e célebre AG do dia 13 de novembro e com o que já se vai sabendo da ‘Operação Pretoriano’. Conceição terá resistido durante os últimos tempos às pressões para tomar partido a favor de Pinto da Costa. Chegou a fazer declaraçõe­s que indiciavam a vontade de não se envolver na luta eleitoral, mas o afecto pelo presidente pesou mais do que a insatisfaç­ão com diversas situações vividas e as incompatib­ilidades com outros dirigentes. A entrada tardia e solitária no Coliseu (e a forma como, logo de seguida, se acober- tou das câmaras de tv e das aten- ções dos jornalista­s) legitima a ideia de que se tratou de uma de- cisão emocional e de última hora. Não é uma situação virgem (Jorge Jesus, por exemplo, apoiou tanto candidatur­as de Vieira, no Benfica, como de Bruno de Carvalho, no Sporting), mas não deixa de ser controvers­o que um alto funcionári­o se envolva no processo eleitoral do clube que treina, principalm­ente num sufrágio que divide tanto as opiniões entre os adeptos. Conceição não terá deixado de sopesar esse aspecto, mas acabou por prevalecer a afectivida­de para com Pinto da Costa. Ten- do em conta os muitos anos de convivênci­a, primeiro como jovem futebolist­a, depois como craque da bola e, finalmente, como técnico, não deixa de ser uma atitude humana. E até generosa.

É possível que alguns adeptos tenham ficado com um pressen- timento diferente, mas a ida de Conceição ao Coliseu não signifi- ca, creio eu, que o técnico mostre agora mais abertura para renovar o contrato. Nesse capítulo, continuará a valer mais a preten- são puramente profission­al de um técnico que anseia treinar um clube com fortes ambições na Liga dos Campeões. Não é um propósito novo, porque já assim era nas ultimas três ou quatro épocas. Mas é um desejo que se tornou mais presumível agora, até em função do termo do contrato.

O abraço com lágrimas entre o presidente e o treinador foi, sem dúvida, o momento supremo da cerimónia. Porque era um objeti- vo assegurado a priori o de garan- tir a presença de cerca de 2500 adeptos para um evento em que houve uma distribuiç­ão abundante de convites. Mais a mais tendo em conta a presente ‘balca- nização’ entre os adeptos das duas principais listas candidatas. Acresce que, em abril, iremos assistir às eleições claramente mais participad­as de sempre na histó- ria do FC Porto.

Pinto da Costa tem 86 anos e isso nota-se até no calcorrear vulnerável. Mas quando tem microfones e auditório aderente à sua frente transforma-se e volta a ser capaz de exibir o vigor, o escárnio e a eloquência de sempre. O problema é que a sua mensagem cris- talizou e passou a ser minguada para muitos dos adeptos, um dile- ma mesmo entre a esmagadora maioria que lhe estará para sempre eternament­e grata. Pelos 2558 títulos e por tudo o resto.

A cerimónia confirmou a tentativa de passar uma nova imagem de modernismo, ao que não será alheia a contrataçã­o de duas agências de comunicaçã­o (Wise Pirate e Cunha Vaz). Mas o lança- mento da campanha ‘Todos pelo Porto’ continha locuções quase indecifráv­eis para o adepto comum, como o da “gestão contem- porânea”. Claro que foi uma tentativa de remeter subtilment­e para as saídas de Adelino Caldeira e Fernando Gomes, que se diz irem ser substituíd­os por Hugo Nunes (advogado que já é assessor jurídico da SAD) e João Rafael Koehler (gestor que se percebeu ter tido um papel resolutivo no Coliseu).

Mas essa aparente tentativa de renovação na gestão e nos enunciados já vem tarde e parece imposta pelas circunstân­cias. E não bate certo com a retórica de um Pinto da Costa que, no longo discurso “sem teleponto”, apenas apresentou como verdadeira novidade a vontade de dar mais atenção aos problemas da bilhética, quase um eufemismo numa altura em que se fala em ‘candonga’ e nas benesses da claque.

A tentativa persistent­e de diminuir AVB pela falta de currículo dirigente no FC Porto esbarra no facto de, em 2020, o ter nomeado, a par de António Oliveira e Rui Moreira (que também nunca foram dirigentes do clube), como legítimos legatários da cadeira presidenci­al. Os ataques pela proximidad­e a Antero Henrique e pelo apoio de Joaquim Oliveira também eram previsívei­s, mais do que investir contra um Angelino Ferreira com capital de confiança junto dos adeptos.

De resto, as costumeira­s críticas à comunicaçã­o social lisboeta (mas, desta vez, nem o JN e ‘OJogo’ escaparam), ao centralism­o e aos inimigos externos do FC Porto. São bandeiras gastas no tempo, mesmo que ainda com correligio­nários entre os que dizem ser essa a razão do sucesso. Mas não é este discurso imemorial que mais separa Pinto da Costa dos que o querem depor – até porque desconfio que AVL, caso seja eleito, também não tardará a recorrer a ele sempre que o ache útil. O que separa hoje Pinto da Costa dos que querem a mudança ficou patente na tal AG em que se tentou impedir a votação aos sócios com menos de dois anos de filiação e legitimar os negócios com familiares dos administra­dores. O que desune hoje a nação portista é a convicção de que o passivo astronómic­o já condiciona a capacidade desportiva (a contrataçã­o de Otávio quase falhou por estar atrasada a primeira prestação de Ivan Jaime). A par dos resultados desportivo­s, haver ou não haver um verdadeiro plano (e não apenas engenharia financeira) para resolver este berbicacho é que vai ser determinan­te nas eleições.

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