O NEGÓCIO DOS BILHETES E AS AMEAÇAS DA CLAQUE
Os Super Dragões usavam as Casas do FC Porto para angariar bilhetes que vendiam no mercado negro e o chefe da claque é suspeito de ter enriquecido com esta receita ilícita. Fernando Madureira está também implicado nas intimidações e agressões aos sócios
O ambiente já estava hostil quando o sócio Henrique Ramos proferiu a sua intervenção na Assembleia Geral (AG) do FC Porto, realizada a 13 de novembro de 2023. Membros da claque Super Dragões (SD) ameaçavam e insultavam nas bancadas todos aqueles que insinuassem apoio a André Villas-Boas, que então já manifestara a sua intenção de se candidatar à presidência do clube contra a atual direção encabeçada por Jorge Nuno Pinto da Costa: “És Villas-Boas, desaparece daqui senão levas mais”, “vocês vão morrer” e “vão todos levar nos cornos, seus filhos da puta”, foram algumas das frases que procuradores do Ministério Público (MP), presentes no Dragão Arena, apontaram para futuras diligências.
Ramos nem sequer é apoiante de Villas-Boas. Referiu no seu discurso a existência de Casas do FC Porto sem sede física, algo proibido pelos estatutos da instituição, mostrando-se crítico em relação à revisão estatutária proposta pelo Conselho Superior do FC Porto. Um plano que a direção pretendia submeter a sufrágio e que incluía, entre outros pontos polémicos, a possibilidade de votar nas Casas do clube já nas próximas eleições. Aquilo foi como se tivesse atirado um fósforo aceso para uma lata de gasolina: o líder dos SD, Fernando Madureira, conhecido como Macaco, e outros elementos da claque começaram a agredir sócios, e o próprio orador foi empurrado e pontapeado. A AG foi suspensa e a direção deixou cair a revisão dos estatutos.
Dois meses e meio depois, a 31 de janeiro, a Operação Pretoriano, executada pelo MP e pela PSP, levou à detenção de 12 suspeitos, incluindo Madureira e a sua mulher, Sandra, o Oficial de Ligação aos Adeptos (OLA) Fernando Saul, o conhecido adepto Vítor “Catão” Silva e outros homens influentes da claque portista. As buscas realizadas pelas autoridades resultaram na apreensão de €50 mil, uma arma de fogo, cocaína e haxixe, mais de uma centena de bilhetes para
DAS 84 CASAS EM PORTUGAL, CERCA DE 10 TÊM MORADA EM LOCAIS INAPROPRIADOS E 22 NÃO TÊM SEDE FÍSICA
partidas do FC Porto e três carros topo de gama (um Porsche e dois BMW), pertencentes a Fernando Madureira. As autoridades acreditam que o administrador Adelino Caldeira combinou com Fernando Saul, Madureira e a mulher, vice-presidente da claque, calar os opositores de Pinto da Costa. “Definiram o que deveria ser posto em prática para que lograssem a aprovação da alteração de estatutos em benefício de todos os envolvidos e sem perda de regalias, designadamente vendo garantidos os seus ganhos tirados da bilhética para os jogos de futebol”, explica o MP no auto de indiciação. A SÁBADO fez um levantamento da situação das Casas do FC Porto para tentar perceber o que levou os suspeitos a perderem as estribeiras após a intervenção de Henrique Ramos. Acabou por descobrir um esquema em que as representações locais do clube eram usadas para introduzir mais bilhetes no mercado negro, em benefício dos suspeitos. “Para além de não respeitarem os estatutos do clube, as Casas citadas [sem sede física] são, juntamente com outras que até os respeitam, instrumentalizadas há décadas em prol de um esquema que
procura controlar os circuitos de influência internos”, diz à SÁBADO Henrique Ramos, que alega que os interesses vão para além da bilhética. “É muitíssimo mais profundo do que isso. Envolve gente desde funcionários do clube a colaboradores da SAD, dos menos aos mais graduados. Por esse motivo, se calhar convém atirar para a claque e também instrumentalizá-la para ajudar a manter este statu quo. Essa sempre foi a estratégia por trás deste esquema, que tem uma cara na administração da SAD do FC Porto há várias décadas.” As autoridades acreditam que essa cara é a de Adelino Caldeira, que já veio desmentir qualquer envolvimento no processo em investigação.
Das 84 Casas em território nacional listadas pelo FC Porto no seu site, cerca de uma dezena tem a morada registada em locais inapropriados – como lojas de estampagens, de impressoras e de ótica –, e 22 não têm sede física. Entre as últimas, apenas três deram sinais de vida quando contactadas pela SÁBADO, embora haja mais com atividade nas redes sociais. “É-nos aprovado um certo número de bilhetes para os jogos no Dragão e, quando os vamos levantar, recebemos significativamente menos da parte do OLA Fernando Saul, que é quem gere a distribuição”, diz o presidente de uma das Casas, no distrito de Aveiro, que prefere não revelar o nome por receio de retaliações. “Depois esses bilhetes são vendidos à porta do estádio pela claque.”
Dar bilhetes aos amigos
Essa mesma acusação fica patente na resposta por mensagem de um representante de uma Casa, a que a SÁBADO teve acesso, a uma questão sobre bilhética feita por um sócio: “Já este ano esse Fernando Saul andou a tirar bilhetes à Casa para dar aos amigos dele para vender”, lê-se.
Um antigo elemento dos Super Dragões explica como funciona o esquema: “A claque recebe bilhetes do clube, mas, como quer mais, retém todos os que consegue, inclusivamente os destinados às Casas, tanto as fictícias como as reais. O Saul, que é controlado pelo Caldeira, fica com eles e distribui-os pelos ‘candongueiros’, os elementos da claque encarregados de os venderem nos dias anteriores e à porta do estádio”, diz. “Todos ficam a ganhar, dos ‘candongueiros’ aos dirigentes do clube que permitem o esquema, passando pelo Macaco. É um negócio lucrativo.”
Tão lucrativo que as autoridades acreditam estar por trás do interesse da cúpula dos Super Dragões em manter Pinto da Costa na presidência, apreendendo os veículos topo de gama de Madureira por suspeita de terem sido adquiridos com recurso a esta receita ilícita. Macaco e a sua mulher declaram rendimentos de 2000 euros mensais, mas estão a construir uma casa em Canidelo, Vila Nova de Gaia, no valor estimado de 2 milhões de euros. Várias fontes denunciam ainda o estilo de vida faustoso do OLA Fernando Saul, que publica frequentemente fotografias nas suas redes “em hotéis de cinco estrelas em Ibiza e nas ilhas gregas”.
O FC Porto pode ser o principal prejudicado. “O Sporting faturou no ano passado cerca de €19,6 milhões a título de bilheteira. O FC Porto vai faturar 12 milhões. Uma diferença de quase 8 milhões. O FC Porto teve uma média de 41.380 espectadores nos jogos em casa, enquanto o
Sporting teve 29.292”, diz o advogado Tiago Silva, sócio do FC Porto e apoiante de Villas-Boas. “Isto não tem a ver com o preço dos bilhetes. São elevadas quantias que se perdem e era importante que alguém da direção as viesse explicar.”
A SÁBADO pediu explicações ao FC Porto, bem como a Fernando Madureira e a Fernando Saul, através dos seus advogados, mas até ao fecho da edição não recebeu respostas.
Aquando da mobilização da claque para a AG, Madureira agitou a questão da bilhética. Dirigiu-se aos chefes dos núcleos do grupo e ameaçou não dar bilhetes a quem não comparecesse e trouxesse um número significativo de subordinados. “Quem domina os bilhetes, domina a claque” diz um antigo membro dos SD. “No FC Porto, o número de bilhetes para a claque tem vindo a aumentar, 3, 4 ou 5 mil por jogo, e esse poder está centralizado no líder. Ele fornece os bilhetes a quem entende. As pessoas depois ficam a dever-lhe favores.” Pinto da Costa tem reconhecido, em várias entrevistas, ser amigo do casal Madureira, embora rejeitando “intimidade”. “Dentro do clube, a perspetiva é que os SD têm sido um problema. Para quem tem ambição de crescimento empresarial, de construir uma marca, a constante associação a episódios de violência é um erro”, diz à SÁBADO José Manuel Ribeiro, antigo diretor do jornal O Jogo.
Porém, Pinto da Costa coloca a sua amizade com Macaco à frente da opinião dos outros dirigentes: um antigo chefe do Porto Canal afirma mesmo que,
“A CLAQUE RETÉM OS BILHETES DAS CASAS QUE CONSEGUE E DISTRIBUI-OS PELOS ‘CANDONGUEIROS’”, CONTAM
enquanto lá trabalhou, “a porta do gabinete do presidente estava sempre aberta para Madureira e para a mulher dele”. E Macaco usa todos os meios para segurar Pinto da Costa na presidência. A 22 de novembro, a casa de Villas-Boas foi vandalizada com a inscrição da palavra “traidor” e o segurança do condomínio agredido; o principal suspeito, Hugo Loureiro, é membro dos SD e um dos detidos da Operação Pretoriano. O Correio da Manhã avança que as autoridades estão a investigar a contratação de um assassino para aniquilar o oficial da PSP encarregado do escrutínio dos incidentes na AG. Mas o mercenário ter-se-á arrependido e denunciado o plano à polícia.
*