Abraço com palavras
O ABRAÇO DE SÉRGIO CONCEIÇÃO, QUE SURPREENDEU E COMOVEU PINTO DA COSTA, É O MAIOR TRUNFO DA SUA CAMPANHA ELEITORAL
Tenho uma enorme consideração por Sérgio Conceição, pelo treinador e pelo homem, demonstrada desde o primeiro minuto em que foi apresentado como timoneiro de uma nau que ia - ao contrário do costume- andando sem conquistas há uns tempos. Reza a lenda que num almoço com Luciano d’Onofrio, Pinto da Costa soube da disponibilidade do menino que conhecia desde os 15 anos para uma cadeira de sonho.
Bloqueado pelo ‘fair-play’ financeiro,
sem capacidade para obter reforços, Sérgio Conceição realizou o primeiro milagre e devolveu o título nacional ao FC Porto. Ora, isso só aconteceu porque o longevo presidente acreditou naquele homem - muitas vezes resmungão e insatisfeito mas de coração bom e alma de dragão - olhado de soslaio por grande parte da imprensa e comentariado desportivo. Foi esta par- ceria, com acentuado pendor do lado do técnico actualmen- te, o cimento agregador do emblema nesta fase.
Escrevia o Nobel da Literatura , Ivo Andric,
que “nenhuma vela, seja de quem for, se mantém acesa até de madrugada”. Mas no Dragão, depois de 40 anos de um poder aclamado pelos seus adeptos, Pinto da Costa parte para o último combate, mais aperta- do do que nunca, numa cerimónia com pompa e circunstância no Coliseu do Porto, reunindo a nata portuense e a arraia-miúda que sempre o idolatrou como paladino maior do clube e também de uma região contra o centralismo de Lisboa.
Tenho de destacar a vitalidade intelectual de
uma pessoa de 86 anos que consegue de improviso - ao contrário de outros que mal conhecem balbuciar cinco palavras - mostrar a sua astúcia e ferocidade contra o adversário, naquela fórmula que todos lhe reconhecemos e que poderia ser descrita numa frase do ‘House of Cards’ (na versão inglesa original): “mais vale ser tubarão do que ovelha”.
O abraço que surpreendeu e comoveu Pinto da Costa,
é o maior trunfo da sua campanha eleitoral. Porque esse “abraço a um amigo, um mentor”, que “me deu oportunidades na minha vida pessoal e profissional”, como afirmou Sérgio Conceição, são sinónimo de gratidão. Porém, é exactamente na esfera contrária, a da ingratidão, que os apoiantes do presidente navegam, utilizando como arma de arremesso a palavra “ingrato”, o novo apelido de André Villas-Boas. O belo momento do treinador no Coliseu, o abraço forte e agradecido, o beijo na cabeça, de respeito e admiração, poderão legitimamente ser interpretados, mesmo que de maneira não intencional, como uma fortíssima ferroada a quem quer tirar a coroa a Pinto da Costa. Sérgio Conceição, nesse lado humano que é de saudar, esqueceu-se que a percepção é, na maior parte das vezes, muito mais sólida que a realidade.
O PRESIDENTE ACREDITOU NAQUELE HOMEM DE
* Texto escrito com a antiga ortografia