Silêncios embaraçantes
MAIS TARDE OU MAIS CEDO, O BENFICA TERÁ DE AGIR JUDICIALMENTE CONTRA BOAVENTURA, QUANTO MAIS NÃO SEJA POR ENTENDER QUE ESTE USURPOU E ENXOVALHOU O BOM NOME DO CLUBE. E, SEJA QUAL FOR O RESULTADO DAS ELEIÇÕES NO FC PORTO, ABRIL TERÁ DE REPRESENTAR A EMANCIPAÇÃO RELATIVAMENTE ÀS CLAQUES E A OUTROS PODERES PARALELOS
çO Benfica mantém-se embatucado e sem qualquer reação à condenação do empresário César Boaventura, recentemente sentenciado com uma pena cumulativa de três anos e quatro meses de prisão, com execução suspensa, e ao pagamento de 30 mil euros a favor de uma instituição de solidariedade social por ter cometido três crimes de corrupção ativa. Como é sabido, no acórdão do juiz foi dado como provado que, na época 2015/16, Boaventura aliciou, com a oferta de contrapartidas financeiras entre os 60 e os 100 mil euros, três jogadores do Rio Ave (Lionn, Cássio e Marcelo) para que estes “facilitassem” no jogo com o Benfica, com o propósito de falsificar o desfecho em favor dos lisboetas. Os jogadores, ficou também provado em tribunal, recusaram as ofertas e o Benfica não foi implicado por não haver “indícios suficientes de que a atuação de intermedia- ção tenha ocorrido a mando do clube”. De facto, o Benfica nem em sede de inquérito foi alguma vez arguido, apesar de o tribunal ter dado também como provada a relação de proximidade de Boaventura com o ex-presidente Luís Filipe Vieira, reconhecen- do que ambos falavam com frequência sobre matérias respeitantes ao futebol. De certa forma, repetiu-se o que já havia acontecido no processo ‘e-Toupeira’, quando Paulo Gonçalves, ex-assessor jurídico da SAD do Benfica, se deixou ‘imolar’ sozinho, sendo condenado por corrupção.
Em condições normais, o Benfica já deveria ter tido uma reação pú- blica e, tão ou mais importante, agido judicialmente contra Boaventura. Quanto mais não fosse por entender que este teria usurpado e enxovalhado o bom nome do clube.
Mas percebe-se que Rui Costa não tenha dado ainda essa dire-
triz. Certamente que os seus as- sessores jurídicos já o alertaram para o facto de Boaventura ter anunciado o recurso para o tribunal superior, o que impede que a sentença transite em julgado. E para a falta de reação pode também ter contribuído uma ação interposta em tribunal por Boaventura contra o Benfica, em que reclama da suposta falta de pagamento de 800 mil euros à conta de uma comis- são relativa à transferência de Nuno Tavares para o Arsenal – surgiram notícias de que irá con- tar com o testemunho conveniente de Luís Filipe Vieira. Por outro lado, deve ser ainda levada em linha de conta a circunstância de o referido empresário ser também arguido num outro processo (Operação Malapata), em que é acusado de dez crimes, entre os quais o de ter ter usado um suposto falso contrato em que garantia deter os direitos de exploração do ex-jogador do Benfica Gedson Fernandes.
Mas este emudecimento do
Benfica não resolve o julgamen- to de uma opinião pública – acre- dito que prevalecente – que não se deixa cegar pelo arrebatamen- to clubístico. E que não precisa de provas irrefutáveis em tribunal para debochar a hipótese de Boaventura ter sido acometido de um ataque abrupto de filantropia financeira e de magnanimidade. Por isso, mais tarde ou mais cedo Rui Costa terá de vir a público enjeitar aquele período negro da história do Benfica, que passou a ter um efeito boomerang sempre que os seus mais fiéis apaniguados se queixam dos pecados dos rivais, principalmente do Apito Dourado/Final.
Da mesma forma, o silêncio também deve resultar embaraçante e envergonhado para os responsáveis do FC Porto que diariamente vão sendo confrontados com as mais recentes notícias sobre o ‘modus operandi’ dos patriarcas principais dos Superdragões, designadamente do líder Fernando Madureira, na malfadada assembleia geral de 13 de novembro. Isto a par de outros trabalhos jornalísticos que nos vão dando conta de um negócio espúrio, contrafeito e muito proveitoso financeiramente a que estão ligadas muitas claques que, depois, compensam as benesses recebidas pelas administrações com uma solidariedade inflamada e musculada.
Seja qual for o resultado das eleições no clube portista, o mês de abril também terá de assinalar a emancipação relativamente a estes e a outros poderes paralelos. Terá, obrigatoriamente, de representar um profundo corte com um passado repleto de práticas vexatórias. Que, honra seja feita a Frederico Varandas, já foi realizado com coragem no Sporting, mas que no Benfica, importa também recordar, continua sem garantir sequer a legalização de quem continua a preferir ocultar-se atrás do anonimato.