O despertar dos adeptos que tarda a chegar a Portugal
Muitas das desonras que, amiúde, atolam o futebol português num lamaçal deplorável há muito que deviam ter provocado a sublevação dos nossos adeptos. Muito condescendentes com essas miseráveis indigências, os adeptos habituaram- -se durante demasiado tempo a só reagir criticamente quando a sua equipa não ganha. Há indícios fortes de corrupção, de gestão danosa ou até de coisas piores? Tudo bem, mas vamos ser campeões – era esta a estranha lógica. Uma incongruência que já teve taxa de adesão maior, até porque hoje há cada vez mais literacia não só desportiva, mas também financeira e jurídica. Mas continuamos muito longe do que se vê noutros futebóis.
A Superliga feneceu praticamente antes de nascer quando os clubes ingleses lhe tiraram o tapete. E quem empurrou esses clubes para a rejeição foram os respetivos adeptos. Os primeiros a fazê-lo foram os do Chelsea, quando se sentaram à fren- te do autocarro do clube e ameaçaram nem o deixar sair da garagem.
Na Alemanha temos visto, nos últimos dias, os adeptos a sabotarem os jogos com lançamentos massivos para os relvados de bolas de ténis, moedas de choco- late e outras guloseimas, sempre ao minuto 12, o número dos aficionados. O Hannover -Rostock foi interrompido 11 vezes e o Hertha-Hamburgo esteve inter- rompido 32 minutos. E, no último fim de semana, o Bochum-B. Munique e o Friburgo-Eintracht foram interrompidos porque o terreno foi invadido, respetivamente, por carros telecomendados e por um drone que largavam fumos. A mensagem era clara: o futebol não pode ser tratado como um brinquedo. E por trás das iniciativas está a organi- zação de adeptos ‘Unsere Kurve’ (Nossa bancada, em tradução livre), que já travou os intentos do investidor Blacks Tone (empresa ligada à gestão de investimentos e serviços financeiros) entrar na Bundesliga.
Os adeptos alemães não aceitam que a DFL, que agrupa os clubes profissionais das duas Bundesligas, esteja a negociar a entrada de empresas estrangeiras por troca de 8% dos direitos de TV durante 20 anos. A decisão foi votada por todos os clubes e aprovada pela maioria de dois terços que era requerida. Mas o CEO do Hannover votou contra o mandato do próprio clube, o que fez questionar a legitimidade do resultado. Por isso, os adep- tos exigem uma nova votação. Na DFL vigora a norma 50+1 (nenhuma empresa pode deter mais de 49% do clube). As excepções (Leverkusen, Wolfsburgo e Hoffenheim) beneficiam da situação anterior à aprovação da regra ou da vontade de criar uma equipa forte na parte da Alemanha correspondente à ex-RDA (Leipzig/Red Bull).
O adepto alemão sente-se coproprietário do clube, sente fobia à entrada de dinheiro do exterior e tem medo que a sua comercialização a forasteiros afete os valores e as essências, como já começa a acontecer na Premier League. É uma posição controversa, mas a inflexibilidade alemã é só mais um sinal deste despertar dos adeptos. Que, infelizmente, tarda a chegar a Portugal.