O trono de Vitinha em Paris
O PSG, MÁQUINA MULTIMILIONÁRIA DE SONHOS INCUMPRIDOS, DEPOSITA TODA A CONFIANÇA NO TALENTO SUBLIME DE UM RAPAZ SEM MEDIATISMO, NASCIDO EM SANTO TIRSO, CUJA VANTAGEM É ‘SÓ’ JOGAR FUTEBOL COMO OS DEUSES. DEVIA SER NORMAL. MAS NÃO É
çEstá sempre à frente dos acontecimentos, suportado na mais relevante velocidade que o futebol oferece a quem o pratica: a mental, aquela que permite chegar aos factos antes de ocorrerem e concede o benefício de tomar as decisões corretas para potenciar a eficácia dos movimentos da equipa. Se a intuição é a velocidade de ponta da inteligência, Vitinha é dos jogadores mais rápidos do futebol atual. Quando usa o instinto cria o assombro da surpresa, do impensado, das soluções inimagináveis e personalizadas; quando se deixa levar pelo senso comum do que aprende no treino, todas as decisões são lógicas e previsíveis, deslumbrando pela perfeição, o máximo a que pode aspirar quem se propõe jogar de memória. É um jogador completo.
A relação com a bola sempre foi preciosa
mas o puzzle só ficou completo quando depurou a intervenção defensiva, o critério do posicionamento, o tempo de entrada aos lances e a correta utilização do corpo nos duelos individuais. Nele coincidem a obediência a conceitos programáticos e a aventura de criar, prova de que é possível defender pontos de vista originais cumprindo orientações superiores previamente definidas. Num jogador feito de criatividade coabita a geometria que pode danificar o instinto e a imaginação, mas que ele utiliza para dimensionar o reportório, como barómetro que alarga o horizonte de ideias orientadoras do coletivo – elementos enriquecedores do produto final, muito estimulados pela intervenção de Sérgio Conceição em 2021/22.
Vitinha nunca é apanhado de surpresa,
porque sabe sempre onde está e o que tem de fazer para alimentar o desenvolvimento do futebol da equipa. Conhece companheiros e adversários mas, acima de tudo, entende o jogo, a sua dinâmica, os seus segredos coletivos, as chaves que permitem equilibrar atrás e fraturar à frente. Por tudo isso é um craque na conceção e execução, para quem ver, avaliar, decidir e fazer são quatro passos tantas vezes reduzidos a um só.
Discreto por natureza,
o que o penaliza face às regras em vigor no mercado, nunca viu razões para alterar o comportamento e procurar adaptar-se a uma sociedade de aparência e superficialidade. Tomou a decisão de viver o futebol para dentro, orientado pelo sentido de representação, pelo orgulho da profissão que escolheu e pela divinização de treino, jogo, bola, camisola e balneário; recusou a sedução de fazê-lo para fora, resistindo à tentação da publicidade, dos negócios paralelos, da imprensa cor-de-rosa, da fama e da ostentação. As duas alternativas são legítimas, fica apenas o registo da opção de um jovem que se concentrou no essencial que o futebol tem para dar sem pretender usufruir de ganhos suplementares, o que diz muito sobre o homem que sempre foi.
É notável que um jogador com o perfil altruísta de Vitinha
seja reconhecido e admirado por quem tanto valoriza a megalomania, o glamour das festas, das passerelles e do espetáculo. Alguém que ocupa um trono pelo entendimento global do jogo, não pela insinuação tantas vezes mentirosa de truques avulsos e supérfluos para o que interessa de verdade. Mas ainda mais impressionante é vê-lo como ele- mento central de uma equipa tão grande (basta ter Mbappé), originária de uma cidade descomunal (o nome Paris diz tudo) e com ambições, sempre adiadas, de conquista planetária (o sonho inabalável da Champions).
O PSG, esse tremendo exército multimilionário de sonhos incumpridos,
deposita toda a confiança no comando operacional, no talento sublime e na liderança silenciosa de um português sem mediatismo, nascido em Santo Tirso, cuja vantagem é ‘só’ jogar futebol como os deuses. Devia ser normal. Mas não é.
CONHECE COMPANHEIROS E ADVERSÁRIOS MAS, ACIMA DE TUDO, ENTENDE O JOGO E A SUA DINÂMICA