Artur Jorge, uma sucessão de proezas
NO BENFICA, PERANTE TANTA ESTUPEFAÇÃO,O MAIS CERTO, É QUE TUDO ACABE EM GLÓRIA
TALVEZ A MAIOR TENHA SIDO AQUELA CONSABIDA PRÁTICA DE TODA UMA VIDA RESGUARDANDO O SEU MUNDO, OS SEUS GOSTOS, OS SEUS INTERESSES, OS SEUS SILÊNCIOS, OS SEUS AMIGOS E A SUA FAMÍLIA DOS PALCOS BARULHENTOS DO FUTEBOL
Partiu o Artur Jorge cuja vida foi uma sucessão de proezas. Umas fulgurantes, estrondosamente públicas, outras pessoais, silenciosas e era destas últimas que ele mais gostava. Se falarmos de futebol, do nosso futebol, ninguém se lhe compara. Campeão nacional como jogador, campeão europeu como treinador, dinamizador e fundador do sindicato dos jogadores profissionais de futebol. Havia, no entanto, outro Artur Jorge, símbolo de toda uma geração alheia até às coisas do futebol. Artur Jorge, o rapaz bonito que despontou em Coimbra no caldo das grandes contestações ao regime, o estudante de filologia românica que concluiria a sua licencia- tura na Faculdade de Letras de Lisboa quando já era jogador do Benfica, o colecionador de arte, o poeta, o leitor compulsivo, a pessoa. Talvez a sua maior proeza tenha sido aquela consabida prática de toda uma vida resguardando o seu mundo, os seus gostos, os seus interesses, os seus silêncios, os seus amigos e a sua família dos palcos barulhentos do futebol. Agora, que se foi embora, aos 78 anos, como será recordado, ele que foi um tipo incrível? Tão incrível, tão invulgar que, logo no princípio da sua caminhada, não foi, certamente, por acaso que lhe chamaram “o rapaz do pontapé-de-moinho”, raro sobriquet para uma metá- fora impossível.
“Acho que nunca tinha tido um treinador que, para além de excelente treinador é uma excelente pessoa.”
A frase é de João Mário e refere-se a Roger Schmidt. Não imaginava João Mário as ondas de choque que viria a causar dentro do Benfica e fora do Benfica. As reações fora do Benfica foram de indignação por João Mário considerar publicamente que Roger Schmidt é melhor pessoa e melhor treinador do que todos os outros com quem trabalhou. Terá, assim, desconsiderado um grupo largo de treinadores portugueses como José Couceiro, Marco Silva, José Dominguez, Domingos Paciência, Fernando Santos, Nélson Veríssimo, Jorge Jesus e Rúben Amorim. Nenhum deles se queixou, mas a opinião de João Mário foi dissecada em várias plataformas e valeu-lhe censuras. Não se entende porquê.
Não se percebe se João Mário foi criticado
por ter dito que Schmidt era melhor do ponto de vista profissional do que os outros treinadores com quem trabalhou ou se foi por ter dito que Schmidt, como pessoa, é mais “excelente” do que os outros todos. Também no Benfica as declarações de João Mário não deixaram de provocar algum frisson naturalmente agravado depois da vulgaríssima exibição em Toulouse. Se ‘o alemão’ tem tanto de bom treinador como de boa pessoa é porque deve ser um traste, é para esta conclusão que caminham os benfiquistas. Com as precipitações no julgamento do caráter de Roger Schmidt entretém-se por estes dias os benfiquistas estupefactos com os defeitos da sua equipa de futebol. O mais certo, perante tanta estupefação, é que tudo ainda acabe em glória.