O pioneiro
Artur Jorge é a figura mais injustiçada do ludopédio indígena. Da mesma forma que terá sido a personalidade mais sedutora da sua história. Era um avançado com um sentido estético inaudito, que metamorfoseou o pontapé de moinho – a sua marca – num gesto técnico que definiu golos no plural. Mas Artur Jorge, um dos primeiros futebolistas a completar o ensino superior, também significava perspicácia na associação, classe singular a protagonizar movimentos de ro- tação, e intelecto subversivo na desmarcação e a surgir no sítio certo para realizar passes para o fundo do arco rival. Foram 159 tentos em 245 jogos na I Divisão, e dois troféus de melhor marcador, ambos pelo Benfica, ao assinar 53 golos em 70/71 e 71/72. Mesmo com a concorrência de Eusébio, Torres, Nené, Jordão e Vítor Baptista. As lesões perseguiram-no, e o afastamento gradual dos relva- dos aproximou-o da Arte, com a paixão pela pintura, pela música jazz e clássica e pela literatura – chegou a publicar a sua poesia no dilacerante ‘Vértice da Água’ – a distinguirem-se. Sem deixar de lado o seu lado revolucionário, ao arcar com o papel principal à frente do Sindicato dos Jogadores na luta contra a Lei de Opção, uma espécie de escravatura a que o Portugal fascista votara os fute- bolistas, e em iniciativas fundamentais que envolveram a esquerda política e o futebol no pós-Revolução. Finda a carreira de futebolista, rumou a Leipzig, na então RDA., para se formar no mais duro curso de treinadores da altura. Teve a melhor nota. Pe- droto, de quem fora adjunto, apontou-o como seu sucessor no FC Porto, e a união da valorização do talento com a sagacidade tática e a dureza no treino fizeram so- prar um vento de Leste que guiou os dragões a um bicampeonato e à sua primeira Champions. A primeira de um treinador português, também pioneiro a abrir o mercado externo aos seus compatriotas e que conheceria o sucesso num cativante PSG, que o transformou em ‘Le Roi’. Só que nunca mais seria o mesmo após ter trocado contratos milionários com o Real Madrid e o Inter por um projeto-coração totalmente falhado no Benfica, do qual está muito longe de ser o principal responsável, e de não se ter apurado, com a assinatura do inefável Marc Batta, para o Mundial’98. Foram tempos amargurados em que um incendiário quis normalizar a agressão de um futebolista a um selecionador nacional. E nada respirou como dantes para o Rei Artur, que foi desaparecendo, de forma silente, do espaço mediático com uma classe esdrúxula.