Kökçü no seu ecossistema
ATÉ PODE TER RAZÃO QUEM ACHA QUE, MAIS DO QUE ESTRATÉGIA, SCHMIDT SÓ NÃO QUIS DEIXAR DE FORA NENHUM DOS SEUS PROTEGIDOS. MAS A NOVA FÓRMULA PODE SER CONVENIENTE NALGUMAS CIRCUNSTÂNCIAS, A COMEÇAR POR ALVALADE E DRAGÃO
çPor muito que seja agora evidente que, para o FC Porto, o milagre passou praticamente a ser o filho predileto da fé, a 23.ª jornada da liga não decretou nada de absolutamente irrevogável. Mas nem por isso deixou de dimanar um conjunto de ocorrências que permitem algumas deduções relevantes, principalmente se levarmos em conta a proximidade do Sporting-Benfica (primeira mão das meias-finais da Taça de Portugal, já na próxima quinta-feira) e do FC Porto-Benfica (o clássico da próxima jornada do campeonato disputa-se já a 3 de março, mas os portistas terão primeiro de terminar o jogo da Taça de Portugal nos Açores, frente ao Santa Clara, marcado para depois de amanhã).
Mas vamos por partes, começando pelo Benfica
e deixando para outros espaços as dores dos rivais. A goleada aplicada ao Portimonense e os dois pontos desperdiçados pelo Sporting e pelo FC Porto em Vila do Conde e em Barcelos, respetivamente, serviram para os benfiquistas poster- garem algumas das suas melancolias, o que não é nada de some- nos se olharmos para as duras batalhas que se aproximam. Se até aqui pareciam liderar o campeonato com termo de caducida- de, somando vitórias e até golea- das em jogos em que não foram capazes de estabelecer uma autoridade indiscutível sobre o ad- versário, frente aos algarvios apresentaram-se na sua versão mais febril. E aqui, ao contrário do que eu próprio fiz noutras al
turas, é justo conferir o justo mé- rito a Roger Schmidt. Claro que nunca será coerente jogar sem um verdadeiro ponta de lança quando se investiram 38M€ nas contratações de Arthur Cabral e Marcos Leonardo. Mas, ao contrário do que já outros proclama- ram, é minha opinião que, desta vez, a aposta num ataque móvel foi uma decisão apropriada, ao contrário do que havia aconteci- do em Guimarães, onde as condições meteorológicas e o estado do relvado o desaconselhavam. Mais do que isso, insinuou um estudo do adversário (o Portimonense defende com cinco ou até mais homens, incluindo um trio de centrais fortes e altos) que, até ontem, não parecia ser uma das prevalências do alemão.
Não foi a primeira vez que o Benfica ensaiou esta solução,
mas nunca havia recorrido a ela em jogos na Luz. Acresce que a aposta num ataque móvel permitiu não só premiar o bom momento de David Neres, como im- plicou, finalmente, a colocação de Kökçü na posição em que ele pode demonstrar por que foi elei- to o melhor jogador dos Países Baixos. Provam-no as duas assis- tências para golo e um conjunto alargado de ações prósperas.
Com o turco colocado à frente de João Neves e João Mário
(também ele a beneficiar da mudança posicional) e atrás do fértil Rafa (mais dois golos e uma assistência), o 4x2x3x1 adquiriu outra simetria, porque na versão com verdadeiro ponta de lança ficava mais próximo do 4x4x2. E o Benfica ficou mais equilibrado, ganhou uma inusual firmeza defensiva e teve ideias bem mais claras, não precisando sequer das defesas redentoras de Trubin. O Benfica acabou assim por fazer uma das melhores e mais uniformes exibições da época, porque no primeiro tempo só não marcou por falta de pontaria e por mérito do guarda-redes Nakamura.
Até podem ter razão
os que acham que o novo expediente benfiquista é menos estratégico do que aparenta e apenas uma contingência resultante de Schmidt não querer deixar de fora nenhum dos seus protegidos. E seguramente há ainda menos dúvidas de que, independentemente de Aursnes ter solidificado a ideia de que só lhe falta provar que joga bem até a guarda-redes, começam a ser burlescas as tentativas de encontrar um verdadeiro lateral-esquerdo que faça esquecer Grimaldo.
Mas nada disso contraria a ideia
de que as combinações curtas de Kökçü com o móvel trio da frente, a par da complementaridade conseguida com a junção de João Mário a João Neves na ‘casa das máquinas’, podem transformar-se numa fórmula muito conveniente nalgumas circunstâncias. E esse contexto pertinente até pode ser o duplo confronto que o Benfica irá ter, nos próximos dias, em Alvalade e no Dragão, não sendo descabido pensar que foi exatamente a pensar nessas batalhas que Schmidt colocou finalmente Kökçü no seu verdadeiro ecossistema.
COMEÇAM A SER AS TENTATIVAS DE ENCONTRAR QUEM FAÇA ESQUECER GRIMALDO