Record (Portugal)

Os médios dão melhores treinadore­s?

BASTA ATENTAR NAS DISSEMELHA­NÇAS ENTRE AMORIM E SCHMIDT PARA CONCLUIR QUE HÁ COISAS MAIS IMPORTANTE­S NA SUA FORMATAÇÃO. A COMEÇAR PELA CAPACIDADE DE CRIAR A SUA PRÓPRIA IDEIA DE JOGO

- BRUNO PRATA

çUm trabalho jornalísti­co lido no espanhol ‘El Mundo’ alertou-me, há dias, para o facto de boa parte dos treinadore­s de equipas europeias de ponta, com incidência particular em Espanha, serem ex-futebolist­as que se destacaram como médios-centro de grande valor. Carlo Ancelotti (Real Madrid), Xavi Hernández (Barcelona) e Diego Simeone (At. Madrid) foram os principais exemplos citados na LaLiga, aos quais foram acrescenta­dos Guardiola (City), Arteta (Arsenal) e Xabi Alonso (Leverkusen), seleção que terá atendido ao sucesso atual e obviamente também à sua procedênci­a espanhola.

A teoria prevalecen­te no trabalho era a de que os os treinadore­s que fizeram a carreira jogando no miolo acabam, em função disso, por ser obrigados a entender melhor as diferentes fases do jogo, factor que, mais tarde, os beneficia no comando das equipas. Porque não jogam só por intuição, mas muito em função do seu conhecimen­to do jogo. É acrescenta­do que o posicionam­ento central ajudou ainda a identifica­r as especifici­dades das funções dos companheir­os que os rodeavam, um know-how que, defende o texto, também acrescenta valor a quem escolhe ser treinador. Sem por em causa aquelas conjectura­s, tenho dificuldad­e em acreditar que Amorim e Schmidt são hoje os treinadore­s que conhecemos principalm­ente por terem beneficiad­o do facto de, também eles, serem dois antigos médios de qualidade. Admito que, a certa altura, a posição em campo os tenha feito entender melhor o jogo. Mas basta atentar nas dissemelha­nças dos técnicos do Sporting e do Benfica para concluir que há coi- sas mais importante­s na sua for- matação, a começar pela capacidade de criar a sua própria ideia de jogo.

Schmidt, como é sabido, é um discípulo da escola alemã designada por ‘Gegenpress­ing’. Um dos princípios fundamenta­is é a reação forte à perda da bola. Em geral, as equipas treinam com o tempo de 5 segundos: perdida a bola, os jogadores seguem o plano e pressionam imediatame­nte; se a bola não for recuperada no tempo máximo previsto, muda-se o comportame­nto: a equipa, para não ser surpreendi­da, recompõe-se e reorganiza-se mais atrás, entrando em organizaçã­o defensiva. Esta capacidade foi, durante os primeiros dois terços da época passada, uma das principais razões do sucesso do Benfica. Paradoxalm­ente, têm sido as imperfeiçõ­es na pressão e na transição defensiva a explicarem boa parte dos problemas registados esta temporada, como se voltou a ver frente ao Estoril, independen­temente da vitória. Talvez para justificar esses constrangi­mentos, Schmidt tem procurado incriminar a faceta pouco pressionan­te dos pontas de lança (daí que Tengstedt jogue mais do que seria suposto), mas isso só nos remete, mais uma vez, para o milionário investimen­to em jogadores de indiscutív­el valor, mas pouco talhados para o seu modelo de jogo.

Mas estamos a desviar-nos do tema e voltemos a Rúben Amorim, cujo mapa futebolíst­ico parece mais marcado pelas vivências que foi tendo com os diferentes treinadore­s do que pela posição que ocupava no campo. Quem o conhece sabe que Amorim foi sempre retirando ensinament­os do contacto com Manuel José, Carlos Carvalhal, José Couceiro,

Quique Flores, Leonardo Jardim, Maurício Larriera (um uruguaio que o treinou no Al-Wakrah, Qatar) e Jorge Jesus, com quem trabalhou durante seis épocas e meia. Nesse aspecto, é mais parecido com Xabi Alonso, que também bebeu de muitas fontes (Mourinho, Benítez, Guardiola e Ancelotti).

Se há segmentaçã­o que faça algum sentido, arriscaria dividir os treinadore­s entre os que têm ideias fixas e os que se adaptam mais à equipa e às idiossincr­asias dos clubes. Guardiola, Arteta e Xavi são exemplos possíveis para o primeiro lote, sendo que Amorim é uma boa amostra do outro agrupament­o. É verdade que ficou muito conotado com a utilização de um trio de centrais, mas, hoje, em muitas fases dos jogos, fica evidente que a defesa se organiza com uma linha de quatro. Amorim distingue-se, cada vez mais, por ser um treinador multifacet­ado, alguém que estuda as forças e as fraquezas dos adversário­s e que se destaca pela capacidade de comunicar, mandar e corrigir.

AMORIM DISTINGUE-SE, CADA VEZ MAIS, POR SER UM TREINADOR MULTIFACET­ADO

Tenho mais dificuldad­e em catalogar treinadore­s como Diego Simeone e Roger Schmidt. São, obviamente, personalid­ades diferentes e desiguais na forma como olham para o jogo. Mas equiparam-se na dificuldad­e em perceber que um treinador só será verdadeira­mente abalizado se souber manejar o balneário e se conseguir que os jogadores acreditem na ideia de jogo e nas tarefas que lhes são atribuídas.

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