Os médios dão melhores treinadores?
BASTA ATENTAR NAS DISSEMELHANÇAS ENTRE AMORIM E SCHMIDT PARA CONCLUIR QUE HÁ COISAS MAIS IMPORTANTES NA SUA FORMATAÇÃO. A COMEÇAR PELA CAPACIDADE DE CRIAR A SUA PRÓPRIA IDEIA DE JOGO
çUm trabalho jornalístico lido no espanhol ‘El Mundo’ alertou-me, há dias, para o facto de boa parte dos treinadores de equipas europeias de ponta, com incidência particular em Espanha, serem ex-futebolistas que se destacaram como médios-centro de grande valor. Carlo Ancelotti (Real Madrid), Xavi Hernández (Barcelona) e Diego Simeone (At. Madrid) foram os principais exemplos citados na LaLiga, aos quais foram acrescentados Guardiola (City), Arteta (Arsenal) e Xabi Alonso (Leverkusen), seleção que terá atendido ao sucesso atual e obviamente também à sua procedência espanhola.
A teoria prevalecente no trabalho era a de que os os treinadores que fizeram a carreira jogando no miolo acabam, em função disso, por ser obrigados a entender melhor as diferentes fases do jogo, factor que, mais tarde, os beneficia no comando das equipas. Porque não jogam só por intuição, mas muito em função do seu conhecimento do jogo. É acrescentado que o posicionamento central ajudou ainda a identificar as especificidades das funções dos companheiros que os rodeavam, um know-how que, defende o texto, também acrescenta valor a quem escolhe ser treinador. Sem por em causa aquelas conjecturas, tenho dificuldade em acreditar que Amorim e Schmidt são hoje os treinadores que conhecemos principalmente por terem beneficiado do facto de, também eles, serem dois antigos médios de qualidade. Admito que, a certa altura, a posição em campo os tenha feito entender melhor o jogo. Mas basta atentar nas dissemelhanças dos técnicos do Sporting e do Benfica para concluir que há coi- sas mais importantes na sua for- matação, a começar pela capacidade de criar a sua própria ideia de jogo.
Schmidt, como é sabido, é um discípulo da escola alemã designada por ‘Gegenpressing’. Um dos princípios fundamentais é a reação forte à perda da bola. Em geral, as equipas treinam com o tempo de 5 segundos: perdida a bola, os jogadores seguem o plano e pressionam imediatamente; se a bola não for recuperada no tempo máximo previsto, muda-se o comportamento: a equipa, para não ser surpreendida, recompõe-se e reorganiza-se mais atrás, entrando em organização defensiva. Esta capacidade foi, durante os primeiros dois terços da época passada, uma das principais razões do sucesso do Benfica. Paradoxalmente, têm sido as imperfeições na pressão e na transição defensiva a explicarem boa parte dos problemas registados esta temporada, como se voltou a ver frente ao Estoril, independentemente da vitória. Talvez para justificar esses constrangimentos, Schmidt tem procurado incriminar a faceta pouco pressionante dos pontas de lança (daí que Tengstedt jogue mais do que seria suposto), mas isso só nos remete, mais uma vez, para o milionário investimento em jogadores de indiscutível valor, mas pouco talhados para o seu modelo de jogo.
Mas estamos a desviar-nos do tema e voltemos a Rúben Amorim, cujo mapa futebolístico parece mais marcado pelas vivências que foi tendo com os diferentes treinadores do que pela posição que ocupava no campo. Quem o conhece sabe que Amorim foi sempre retirando ensinamentos do contacto com Manuel José, Carlos Carvalhal, José Couceiro,
Quique Flores, Leonardo Jardim, Maurício Larriera (um uruguaio que o treinou no Al-Wakrah, Qatar) e Jorge Jesus, com quem trabalhou durante seis épocas e meia. Nesse aspecto, é mais parecido com Xabi Alonso, que também bebeu de muitas fontes (Mourinho, Benítez, Guardiola e Ancelotti).
Se há segmentação que faça algum sentido, arriscaria dividir os treinadores entre os que têm ideias fixas e os que se adaptam mais à equipa e às idiossincrasias dos clubes. Guardiola, Arteta e Xavi são exemplos possíveis para o primeiro lote, sendo que Amorim é uma boa amostra do outro agrupamento. É verdade que ficou muito conotado com a utilização de um trio de centrais, mas, hoje, em muitas fases dos jogos, fica evidente que a defesa se organiza com uma linha de quatro. Amorim distingue-se, cada vez mais, por ser um treinador multifacetado, alguém que estuda as forças e as fraquezas dos adversários e que se destaca pela capacidade de comunicar, mandar e corrigir.
AMORIM DISTINGUE-SE, CADA VEZ MAIS, POR SER UM TREINADOR MULTIFACETADO
Tenho mais dificuldade em catalogar treinadores como Diego Simeone e Roger Schmidt. São, obviamente, personalidades diferentes e desiguais na forma como olham para o jogo. Mas equiparam-se na dificuldade em perceber que um treinador só será verdadeiramente abalizado se souber manejar o balneário e se conseguir que os jogadores acreditem na ideia de jogo e nas tarefas que lhes são atribuídas.