Os dilemas da carreira de Galeno
O EXTREMO PORTISTA NÃO É UM FRUTO PREMATURO DO MÉRITO; PELO CONTRÁRIO, CONCENTROU FORÇAS PARA RESISTIR A DÚVIDAS, VENCER DESCONFIANÇAS E CONVIVER COM A FALTA DE RECONHECIMENTO PARA TER UM LUGAR AO SOL NO FUTEBOL EUROPEU E MUNDIAL
um promotor de sucessivas explosões de clarividência, insurreições que encantam plateias, inspiram companheiros e intimidam adversários que, ao fim de hora e meia a tentar travá-lo, mais parecem sobreviventes de um naufrágio no alto mar. Aos 26 anos, Galeno subiu a corda a pulso; mostrou-se, caiu e teve de levantar-se mais de uma vez; não é um fruto prematuro do mérito, pelo contrário, teve de concentrar forças para resistir a dúvidas, vencer desconfianças e conviver com o desconforto pela falta de reconhecimento para ocupar um lugar ao sol no futebol europeu e mundial. Tem características e números muito valorizados pelo mercado, razão pela qual é um dos ativos mais valiosos do FC Porto.
Todas as sensações que provoca estão relacionadas com a vertigem (de velocidade e intenções), cujas ferramentas domina em absoluto. É um fenómeno físico a quem a bola não atrapalha; que se impõe pela rapidez com que se desloca, pela articulação motora perfeita e pelo instinto que nunca o deixa ficar mal. O modo como vai direto ao assunto sugere infrações às regras do trânsito; mas tem tudo sob controlo: o que parecem decisões precipitadas e condenadas ao fracasso tornam-se base de iniciativas sumptuosas com as quais ganha espaço e condições para promover roturas nas muralhas que enfrenta. A vocação de cumplicidade com a equipa é imensa. A empatia dimensiona os efeitos das aparições angélicas em momentos decisivos.
Galeno pode ser o rastilho que conduz ao estrepitar de um fogo de artifício esplendoroso. De uma forma ou de outra, nunca se deixa vencer pela resignação. Como é destro e joga pela esquerda, as aventuras que promove têm itinerário previsível mas não único: enfrenta defesas e aproxima-se da baliza em linha reta ou em ziguezagues com saída indiferenciada; em peregrinações sofisticadas, que o enquadram com o tiro (é implacável na relação com os guarda-redes), ou em fugas para a linha de fundo transformadas em potenciais passes para finalização na zona frontal. Dele se diz que precisa de espaço para se expressar na plenitude e que essa é a principal razão para a contabilidade exuberante que apresenta na Liga dos Campeões. Havendo razoabilidade na afirmação, importa reconhecer o perigo e a eficácia quando opta por atalhos, em terrenos mais reduzidos, nos quais depende muito mais de talento puro.
É muitas vezes um relâmpago que ilumina o jogo ofensivo do FC Porto; um gerador de luz nos caminhos de acesso à baliza, à custa de um futebol que encerra instinto simplificador; promove sucessivos tumultos e cria brisa constante de inspiração, cuja consequência é alvoroçar a esperança e despertar soluções tantas vezes adormecidas. Sendo imune ao desalento, impõe-se por insistência e deslumbra sem ser hipnótico; cria o assombro por dinâmica mas também pela eficácia; é uma semente de felicidade que floresce até atingir proporções gigantescas.
Integrado no jogo coletivo, as suas investidas podem ser curtas-metragens deslumbrantes; cumpre os requisitos da emoção mas dá cada vez mais satisfações à estatística, prova de que o atrevimento depende de con- fiança e afeto. Avançado com preocupações defensivas vincadas em certas fases da carreira (no Sp. Braga de Carlos Carvalhal, por exemplo), Galeno foi de- purando definição e pontaria. Na melhor época de sempre apresenta números impressionantes para um extremo: 36 jogos, 13 golos e 11 assistências – total de 268 jogos, 63 golos e 51 assistências em Portugal. Entre Brasil e Portugal, que reclamam a presença nas respetivas seleções, preferiu o escrete, num dilema decidido na hora. Outros se seguirão no fim da época.
GALENO É MUITAS VEZES UM RELÂMPAGO QUE ILUMINA O JOGO OFENSIVO DO FC PORTO