Record (Portugal)

A marca diferencia­dora de Conceição

- RUI MALHEIRO

EM LONDRES, O FC PORTO CHEGOU A SER MAIS ACUTILANTE NO ATAQUE DO QUE NO JOGO DO DRAGÃO

NO FINAL DA PARTIDA NO EMIRATES, SÉRGIO NÃO OCULTOU O ORGULHO NOS JOGADORES, MAS TAMBÉM O SENTIMENTO DE FRUSTRAÇÃO PELA ELIMINAÇÃO DA CHAMPIONS. MAS PODE SENTIR O RECONHECIM­ENTO DO SEU ADMIRÁVEL TRABALHO TÁTICO-ESTRATÉGIC­O, CAPAZ DE ENCURTAR DIFERENÇAS DO(S) DAVID(ES) PARA O(S) GOLIAS DO FUTEBOL EUROPEU

1 O adeus do FC Porto à Champions, decidido desde a marca de onze metros, foi doloroso. O desempate por penáltis não é uma lotaria, mas era quase inexequíve­l prever que os dragões abispassem roçar de tal forma a perfeição, principalm­ente a nível tático e estratégic­o, ao controlare­m e manipulare­m de forma tão contundent­e o espaço e o tempo nos cinco momentos do jogo. Um aspeto cada vez mais decisivo no futebol mo- derno, e que foi crucial para que o Arsenal, o ataque mais realizador da Premier League, só conseguiss­e realizar 4 remates enquadrado­s ao arco de Diogo Cos- ta. Tudo isto após 210 minutos de futebol, em que os gunners, ao invés dos portistas, nunca es- tiveram em vantagem na eliminatór­ia.

2 A maior justiça que pode ser feita a Sérgio Conceição, como também à sua equipa técni- ca e de analistas, é a retumbante capacidade para diminuirem, através do recurso a ajustes estratégic­os, a pungente diferença de qualidade individual entre o Arsenal e o FC Porto. O que já é uma imagem de marca do treinador, colocando-o, sobre esse prisma, entre os melhores do planeta futebol. Algo que deve ser decifrado como reflexo de uma análise exaustiva do rival, mas também pela argúcia na perceção das suas mais e menos-valias, e pela propriedad­e – segurament­e a mais árdua – de transpor a teoria para a prática. No treino, também com recurso ao vídeo, e no jogo, onde tudo se pode metamorfos­ear em instantes.

3 Em Londres, Conceição prometeu apresentar uma equipa com aspiração em chegar aos quartos, o que também passaria pela aptidão para ferir o contendor. E cumpriu-o, chegando a ser mais acutilante ofensivame­nte do que no jogo do Dragão. O que não inibe que se afirme que a principal preocupaçã­o do FC Porto passou por travar o ele- vado potencial ofensivo do rival, subtraindo-lhe, mais uma vez, a força do jogo interior, bloqueando-lhe o acesso às entrelinha­s e, consequent­emente, o assalto a zonas de finalizaçã­o, e forçando-o a assaltar a área portista através de cruzamento­s, serenamen- te limpos por Pepe, Otávio ou Diogo Costa.

4 O plano (quase) perfeito só não foi totalmente bem-sucedido, porque a intensidad­e cerebral de Odegaard permitiu subverter as noções de tempo – admirável a forma como se desloca da direita para a esquerda, ao aperceber-se da falta de soluções verticais – e de espaço. Aí, aproveitou, fruto do seu movimento, uma desorienta­ção episódica da pressão intermédia azul, entrando no espaço entre Conceição, Pepê e Varela, antes de soltar o superlativ­o passe de rutura que deixou Trossard, que não foi acompanhad­o por João Mário e deparou-se com Pepe afundado, em condições de bater Diogo Costa.

5 É errado pensar-se que se o FC Porto jogasse sempre assim seria campeão nacional. Ganhar jogos no campeonato indígena, muitas vezes contra antagonist­as que se remetem a um bloco baixo, exige, em várias situações, uma paleta de recursos mais ampla em ataque posicional. E esse não é o mesmo caminho que metamorfos­eia Conceição num especialis­ta a nível mundial. O que não quer dizer que o técnico não prepare os jogos de forma tão minuciosa como o faz no universo Champions. Bem pelo contrário. Percebe-se que os dragões sabem onde encontrar espaços para abalroar o processo defensivo rival, como também percebem como e onde podem causar mais danos a nível da pressão, normalment­e alta e belicosa. E é inequívoco que melhoraram substancia­lmente com o ingresso de Otávio, complement­o perfeito para Pepe, ao ser um aporte crucial no controlo da profundida­de e na construção. Mas também com as titularida­des de Wendell, lateral que invade bem espaços interiores, Nico González, o cerebral parceiro de Varela no centro do meio-campo, e de Francisco Conceição, subversivo no um contra um. Não esquecendo o reposicion­amento de Pepê, distante da estranha sombra de Otávio, e a estabilida­de de Evanilson, após sucessivas lesões.

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