Record (Portugal)

O que nos ensina Aursnes?

O NORUEGUÊS DO BENFICA, QUE RECENTEMEN­TE ABDICOU DE REPRESENTA­R A SUA SELEÇÃO, É O FUTEBOLIST­A COM MAIOR DESNSIDADE COMPETITIV­A. É PRECISO REVER OS CALENDÁRIO­S

- Joaquim Evangelist­a Presidente da direção do SJPF

Para quem acompanha o trabalho da FIFPro sobre a monitoriza­ção da sobrecarga competitiv­a dos jogadores de futebol, habituámo-nos a ver jogadores dos principais campeonato­s europeus e seleções que lideram os rankings em destaque quanto ao número de jogos e minutos acumulados. Bruno Fernandes ou Rúben Dias foram, por exemplo, dois portuguese­s em destaque nas últimas edições do relatório.

Foi, por isso, surpreende­nte saber que por esta altura Fredrik Aursnes é quem acumula maior densidade competitiv­a (50 jogos e 4.369 minutos de utilização), poucos dias após ser conhecida a sua decisão de terminar a carreira ao serviço da seleção da Noruega. Independen­temente dos motivos subjacente­s a esta decisão, no caso concreto, é manifesto que os problemas criados pela ‘máquina-triturador­a’ da sobreposiç­ão de competiçõe­s e calendário­s só têm tendência a piorar. Muitos jogadores continuarã­o a lesionar-se em resultado da fadiga acumulada e, mesmo que resistam fisicament­e, não terão a capacidade para entregar continuame­nte o seu melhor futebol. Esta é para mim uma das maiores frustraçõe­s. A falta dos períodos de recupera- ção adequados, as viagens constantes e longas distâncias percorrida­s, a quebra dos perío- dos normais de descanso, das férias ou as pré-épocas cada vez mais reduzidas, compromete­m indiscutiv­elmente o bem-estar físico e a resiliênci­a mental dos jogadores.

Neste contexto, reitero a inquietaçã­o sobre para que servirão os tratados internacio­nais sobre segurança e bem-es- tar no trabalho, ou os regimes nacionais relativos ao horário de trabalho, direito a descanso ou direito a férias, quando múltiplos organizado­res definem etapas de competição que, sobreposta­s, tornam simplesmen­te impossível exercer estes direitos ?

Não esqueçamos, ainda, o espaço reduzido que alguns mercados, ligas ou áreas do nosso futebol em franco desenvolvi­mento como o futebol feminino continuam a ter, ou seja, no outro vértice desta equação temos um subaprovei­tamento das potenciali­dades dos atletas e falta de espaço competitiv­o que também os prejudica profission­al e desportiva­mente. Já todos percebemos que ‘engordar’ os plantéis e promover a rotativida­de não é solução.

SE NADA MUDAR, MUITOS JOGADORES IRÃO CONTINUAR A LESIONAR-SE DEVIDO À FADIGA

Apelar ao bom senso dos organismos que tutelam o futebol para integrar nas suas decisões sobre calendário­s mais do que a intenção de potenciar os resultados financeiro­s também não resultou. Numa matéria em que jogadores e treinadore­s estão em franca sintonia, o que nos demonstra a realidade de jogadores como Aursnes ? Estaremos a transforma­r a expressão do talento numa mecanizada rotina competitiv­a ? Faz sentido levarmos jogadores ao limite de ter que optar entre a carreira no clube e na seleção ? Voltando à FIFPro, o que posso garantir é que estamos a trabalhar em ações concretas, na defesa de toda a classe dos futebolist­as.

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