O assassino que mata com luvas brancas
POTE PARECE UM ANIMAL MANSO E INOFENSIVO EM TERRA DE PREDADORES. O AR AUSENTE E OS GESTOS RELAXADOS FORNECEM A IDEIA MENTIROSA DE UM CAÇADOR DISTRAÍDO E INOCENTE; DE UM HOMEM GENTIL E SEDUTOR, INCAPAZ DE GUARDAR MAUS INSTINTOS
çNa frente, pensa, movimenta-se e age com visão e arte de centrocampista, concentrando as intenções sempre inconfessadas dos grandes avançados; atrás cumpre todas as obrigações como peça da máquina, acrescentando talento superior no modo como direciona quase todas as intervenções para alimentar os argumentos de matador frio e implacável. Pote faz tudo quanto pode para manter as aparências de um jogador inofensivo; simula as verdadeiras intenções, cultivando a ideia de que está deslocado e tem pouco interesse na ação; mascara-se de indivíduo dócil e alheado do que o rodeia, quando a verdade é que, no sangue, corre-lhe a fúria assassina alimentada sem precisar de atos heroicos.
Onde a tensão aumenta,
os batimentos cardíacos disparam, o instinto de sobrevivência desperta e os duelos suscitam o dilema de viver ou morrer, ele respira fundo e baixa as pulsações; pelos terrenos armadilhados que vão dar à baliza adversária, defendidos sem pudor por forças especializadas, Pote passa tranquilamente, com um sorriso imaginário nos lábios, como quem pisa o quintal de sua casa.
É um jogador perfeito para associações curtas
e ações de progressão participada, das quais é, por norma, o cérebro, a força concetual de aventuras das quais se torna protagonista. O golo em Bérgamo é bom exemplo, ação que concentra características grandiosas: lindas de ver, difíceis de travar. Pote tem qualidades cuja comparação deve ser feita sem medo das palavras: no miolo tem coisas de Iniesta, por estilo, presença, conceção, execução e intervenção; no ataque revela com o último toque a intimidade subtil e certeira que remete para Romário, o baixinho que abdicava do suor e impunha-se despojado de emoções fortes, valendo-se da pontaria infalível.
Pote parece um animal manso e inofensivo em terra de preda- dores.
Tem instinto assassino apurado mas mata com luvas brancas. Promove um ar ausente e os gestos relaxados fornecem a ideia mentirosa de um caçador distraído e inocente; de um homem gentil e sedutor, incapaz de guardar maus instintos. Tudo falso. Acresce ainda que tem velocidade de deslocamento e raciocínio mais talento para administrá-la; técnica na relação com a bola, na receção, no passe, na condução e, fatalmente, no tiro. Pode jogar de frente ou de costas e expressa a altivez elegante através da qual esconde a escandalosa visão periférica.
De tão relevante na equipa,
só está confortável em cenários onde se sente figura maior do processo. O significado que tem para o Sporting e a paixão que desperta em Rúben Amorim, que o diviniza como avançado ou médio, mais perto do golo ou do jogo, seguro de que a confiança será retribuída satisfazendo a estatística ou influenciando as emoções que contagiam a equipa, tornam-no especial. Os hábitos adquiridos no patamar mais elevado do futebol já não lhe permitem ser visto com reservas. Sobre ele não podem recair dúvidas ou desconfianças. Nada pior do que ouvir Roberto Martínez afirmar que o adora mas não tem lugar para ele na Seleção.
Com 16 golos e 13 assistências na época
– 74 golos e 40 assistências no total de quase quatro anos em Alvalade –, recebeu do selecionador a prova de confiança aguardada. Uma lesão não lhe permitiu usufruir da justiça tardia, mas deve estar alerta para as suas consequências. Se é só para integrar o grupo e ter 5 minutos de jogo não vale a pena. Pote é muito mais do que isso. Não serve para entrar num comboio em andamento, que prossiga a marcha com independência da sua presença. Tem de estar lá desde início, sentir-se parte do funcionamento e da definição da rota.
ONDE A TENSÃO AUMENTA, E OS BATIMENTOS CARDÍACOS DISPARAM,A
ELE BAIXAM AS PULSAÇÕES