O paradigma Kökçü
A INSURREIÇÃO DO TURCO, ATRAVÉS DE UMA ENTREVISTA EGOCÊNTRICA , FERIU OS INTERESSES DO BENFICA, E SUBTRAI A RAZÃO EM TEMAS QUE DEVIAM SER DEBATIDOS INTERNAMENTE. PORÉM, CAUSA ESPANTO QUE, A DOIS MESES DO FIM DA ESTAÇÃO, O ALEMÃO AINDA NÃO TENHA PERCEBIDO COMO EXPLORAR AS CARACTERÍSTICAS DE UM JOGADOR DIFERENCIADO QUE CARREGA O FARDO DE NÃO SER O ÉMULO DE ENZO FERNÁNDEZ
Os 25 milhões de euros que o Benfica investiu, no último defeso, na contratação de Orkan Kökçü, ainda não tiveram o retorno futebolístico ansiado. Nem pelos adeptos, que demoram a perceber o seu futebol, nem pela estrutura encarnada, encabeçada por um treinador que não tem sabido perscrutar, nem do ponto de vista coletivo, nem, neste caso específico, a nível individual, as mais-valias que o médio-centro pode ofertar ao jogar das águias. Depois, ainda há a pressão de alguma imprensa, que insiste em apontá-lo como um número 10 que nunca foi. Contudo, nada disto justifica a entrevista ao ‘De Telegraaf’, em que colocou, num tempo completamente desajustado, o individual e o seu ego esdrúxulo muito acima dos interesses do coletivo. E isso, por mais interessantes que sejam alguns temas que levanta, que deveriam ser debatidos cara a cara com Roger Schmidt e não em praça pública, tornam ainda mais fragosa a relação com uma massa adepta que já percebeu que não está ali o ansiado émulo de Enzo Fernández. Nem podia estar, como alertámos na abordagem ao novo exercício, pois o argentino é um jogador de um perfil distinto, não só pela ferocidade nas ações defensivas, nas quais as de pressão têm um peso inabalável, como também na forma distinta como percecionam e inteligem os momentos com bola.
2 A pausa para compromissos das seleções, acicatada por eventuais reuniões com dirigentes do Besiktas, acaba por protelar um caso que devia ter ficado resolvido no passado sábado após o treino matinal, mes- mo mantendo firme a ideia de o afastar do intrincado compromisso com o Casa Pia. O que era inevitável. No entanto, acredito que a sua inevitável reincorporação como opção não poderá escapar a uma multa pesadíssima, a um diálogo em que terá de ser franco com o treinador, e a um pedido de desculpas formal aos adeptos, que também não fi- caram agradados com a sua abordagem à polémica através das muitas vezes indigestas redes sociais.
3 Centremo-nos, enfim, na questão essencial: o que é e o que pode aportar Kökçü a este Benfica? O primeiro ponto, que é logo de total estranheza e que se deve principalmente a Roger Schmidt, é o de estarmos ainda a fazer essa questão a dois meses do final da estação. O turco sem- pre foi um número 8, mas a estrutura tática primordial do Feyenoord – entre o 4x3x3, em que funcionava como interior, e o 4x2x3x1, em que operava como segundo médio-centro com liberdade para se soltar ofensiva- mente, sempre com três médios – é bem distinta do 4x4x2 – muitas vezes, definido como 4x2x3x1 – que o treinador alemão utiliza no Benfica, com dois médios-centro e dois avançados (Rafa, mais móvel, e outro mais fixo). Depois, além da diferença pungente de modelos de jogo, entre Arne Slot, o técnico que o fez eclodir no Feyenoord, e Roger Schmidt, há um aspeto do qual Kökçü não se pode isentar. É que nunca mostrou muita vontade em se adaptar a um campeonato com especificidades distintas do neerlandês, em que os espaços estão muito mais subtraídos e o tempo de tomada de decisão é bem menor. E, na verdade, aos 23 anos, também se exigiria que registasse outro tipo de evolução nos comportamentos sem bola, em que não esconde momentos de negligência que expõem demasiado as águias no processo defensivo. Agora, com bola, não se deve olvidar dos 3 golos e 10 assistências que já soma, nem a sua tremenda capacidade diferenciadora no passe progressivo e na forma como desvenda espaços para fomentar ruturas. Só que me parece quase uma inevitabilidade que o Kökçu mais diferenciador só surgirá com a evolução de um modelo de jogo demasiado estanque e com a utilização de 3 médios: Florentino, mais recuado, e Neves e Kökçü como interiores, com Rafa a partir de uma das alas, assumindo um 4x3x3; ou, dentro da mesma opção estrutural, com Neves mais recuado, o que é curto para o seu futebol, e João Mário e Kökçü como interiores.
O CASO DO MÉDIO DEVIA TER FICADO RESOLVIDO NO PASSADO SÁBADO, APÓS O
TREINO MATINAL