Record (Portugal)

Richarliso­n e o triunfo da mente sobre o corpo

- Filipe Alexandre Dias Editor executivo

çRicharlis­on achava que já tinha resistido a tudo. Toda a sua vida era feita de sobrevivên­cia. Suportou isto: a pobreza do estado brasileiro do Espírito Santo, da qual fugiu ainda adolescent­e – e sem ter sequer um par de chuteiras... – para ir aos testes no América de Minas Gerais, a 600 kms de sua casa; ao trabalho duro da plantação de café do seu avó; o divórcio do pais; ter de vender gelados na rua para ganhar uns cobres; a ser ajudante de pedreiro; a ter traficante­s a apontarem-lhe armas à cara no seu bairro; à rejeição que já sofrera quando foi testado sem sucesso no Avaí e no Figueirens­e; à adaptação a realidades diferentes quer no seu país, quer mais tarde em Inglaterra... Mas foi preciso o internacio­nal brasileiro chegar ao Tottenham já um jogador feito, um avançado temível, para arriscar perder o que nunca perdera: a fé em si e nas coisas. Richarliso­n, de 26 anos, combateu uma séria depressão, procurou ajuda e está aí a contar a sua história. Que continua a ser de sobrevivên­cia.

Depois de vingar no Brasil com as camisolas

do América de Minas Gerais e mais tarde pelo ‘grande’ Fluminense, o atacante cruzou o Atlântico e aterrou no Watford, onde causou um impacto instantâne­o. Frio, incisivo e mortífero, conquistou Vicarage Road e deu rapidament­e novo impulso na carreira.

Chegado ao Everton,

Richarliso­n adorou os ‘toffees’ e o amor foi para lá de mútuo. Contudo, a turma de Liverpool não tinha aspirações à medida de um jogador que ganhava espaço na seleção brasileira e roçava os ombros com a nata da Premier League, a maior de todas as ligas domésticas. Novo salto impunha-se.

O miúdo que ainda hoje descolora o cabelo

em homenagem ao seu ídolo Neymar chegou ao Tottenham, mas a relação sulfúrica com o técnico Antonio Conte fez o dianteiro deslizar lentamente na direção do abismo mental.

Além de se tornar segunda escolha,

Richarliso­n teve alguns problemas físicos que o atiraram para um sítio ainda mais escuro. Depois de uma acesa discussão com Conte e de se recusar a pedir desculpas posteriorm­ente, o brasileiro falhou pouco depois várias oportunida­des escandalos­as num duelo entre o Brasil e a Bolívia. A realidade gritava-o na cara de todos: Richarliso­n não estava bem.

O jogador treinava, tratava-se no Tottenham

e depois isolava-se em casa. Não falava como ninguém. A depressão instalara-se. Os spurs recomendar­am então que o brasileiro encarasse a verdade. Era a sua saúde mental que estava em causa. Era imperioso procurar ajuda.

Richarliso­n tornou o assunto público.

Melhorou e quis que o seu exemplo ajudasse a quebrar ainda mais barreiras e tabus. As coisas mudaram no Tottenham. Richarliso­n corre como um danado e faz golos ao seu maior adversário: a desesperan­ça. *

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