Record (Portugal)

“Nunca tive medo de morrer, tal como não tinha de perder”

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Quando é que Portugal pode voltar a ter um campeão mundial da maratona ou nas provas de pista de meio-fundo?

CARLOS LOPES – Não vai ser fácil. Como todos nós já vimos que só com exportados conseguirm­os agora ter algum valor. Vamos ver se o Samuel Barata consegue fazer algo de importante em Paris, mas não é fácil, porque os melhores atletas da maratona valem 25 e pouco minutos aos 10.000. Qual é o português que faz este resultado? Nenhum. Conseguimo­s ter um método de trabalho que valorizou o fundo e meio-fundo em Portugal. A nossa tendência é dentro desta via. Os melhores resultados de agora não são de portuguese­s nascidos em Portugal.

R Mas falta uma escola de fundo e meio-fundo em Portugal?

CL – Escolas há muitas. Paciência é que há pouca...

R Mas a verdade é que Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro não surgem todos os dias...

CL – E o Canário, o Leitão e muitos outros... Todos eles começaram a aparecer quando eu surgi. Alterei todas as regras, todos os princípios. Mas hoje não temos paciência. O atletismo é um jogo de paciência, é preciso muitos anos para se formar um atleta, hoje vemos um jovem com um valor tremendo e passa a ser campeão de tudo e mais alguma coisa sem se defender os seus interesses. E quando damos conta ‘morreu’. E a guerra entre pessoas gere estas confusões e desfaz-se o que vinha a ser bem feito. E lá voltamos nós ao Sporting e ao Benfica. Antigament­e reunia-se o grupo na pista e treinávamo­s todos juntos, hoje cada menino tem o seu treinador, não há o enquadrame­nto.

R Este ano haverá eleições para eleger um novo presidente da Federação. Sai Jorge Vieira. Como se posiciona face à mudança?

CL – Neste momento estou fora disso, não me quero envolver. Há três candidatos: Fernando Tavares, Domingos Castro e o Paulo Bernardo. Agora, qual deles é o mais válido? São todos parecidos, todos querem promover o atletismo. Mas penso que deveria haver uma pessoa de fora, com outra capacidade, visão e realidade.

R Será que o desporto português precisa de uma nova geração de dirigentes, ou ainda vive muito à custa da carolice?

CL – Hoje não se pode falar de carolice. Isso era no meu tempo, hoje os dirigentes são profission­ais da modalidade e deviam ter por principio sentir mais aquilo que fazem. É a minha perspetiva, mas quem sou eu para dar conselhos. Nem quero saber de nada. Só sei que vou ser vice-presidente da Associação de Viseu. Presidente não quero ser, não tenho vida para isso.

R Ainda que diga que está afastado do atletismo, vai estando a par do que se passa. Que comentário faz sobre a polémica entre o Nelson Évora e o Pedro Pichardo?

CL – É um problema entre dois atletas, mas que não tem cabimento algum. O Mundo do atletismo é tão curto e somos tão poucos que não vale a pena entrar em desacordo por uma ou outra razão. São atletas que gostam muito da sua autoestima e deviam respeitar-se mais. É o que sinto. Devia haver uma forma mais simpática de poderem conversar. Mas cada um tem a sua própria razão para se criar um conforto entre eles.

R Portugal trata bem os seus campeões?

CL – Os portuguese­s sim, já as instituiçõ­es têm por vezes muita dificuldad­es em perceber o que é um campeão para o país. O desporto tem dado muito ao país, atravessa fronteiras, mas não é bem entendido. Infelizmen­te é o que temos.

R E comemora-se os 50 anos do 25 de Abril .

CL – Fui feliz com isso. Cresci como atleta, tive condições fazer crescer o desporto português e o país. O 25 de Abril foi abençoado para milhões de portuguese­s.

R Uma última questão, mas a mais importante de todas. Como está a saúde do Carlos Lopes?

CL – Estou bem, muito bem, não quer isto dizer que se recomende o que passei, até porque já estou usado de mais para ser recomendad­o [risos], mas enquanto puder andarei tranquilo. Sinceramen­te, digo que não tive momentos de grande dificuldad­e e sabe porquê? Porque nunca tive medo de morrer, da mesma forma que nunca tive medo de perder, por isso é que vencia.

“HOJE NÃO TEMOS PACIÊNCIA. O ATLETISMO É UM JOGO DE PACIÊNCIA, É PRECISO ANOS PARA SE FORMAR UM ATLETA”

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