A responsabilidade de Rui Costa
O FUTURO VAI MOSTRAR-NOS SE O PRESIDENTE ACEITA QUE O BENFICA SEJA DIRIGIDO DE FORA PARA DENTRO. OU SE, PELO CONTRÁRIO, NÃO VAI QUERER CORRER O RISCO DE SER ACUSADO DE GESTÃO DANOSA POR QUEM SABE FAZER CONTAS
LEMBRAR QUE RÚBEN AMORIM FOI QUARTO HÁ
UM ANO SERIA UMA JOGADA DE ‘MAESTRO’…
As oito alterações que Schmidt fez na equipa que bateu domingo o Moreirense provam não só que o Benfica é a equipa do futebol português com mais soluções de qualidade, mas também que o seu treinador não deixa de ser suscetível às críticas. Porque não terão deixado de ter impacto na Luz as notícias de que o alemão desperdiçou (ou deixou por fazer) 33 substituições durante a época, bem como o facto de Di Maria, aos 36 anos e na 19.ª época da sua carreira, somar 3524 minutos de utilização, algo que já não fazia há uma década…
çO futebol tem uma necessidade de individualizar o êxito e o fracasso e o treinador, como diria Valdano, é convertido numa espécie de curandeiro que “dá a impressão de manejar todas as variáveis” do jogo. Mas se a um técnico contestado, como vem sendo Roger Schmidt, é exigida a capacidade milagrosa da Nossa Senhora de Lourdes, importa sempre também levar em linha de conta as responsabilidades e as incumbências de quem o contratou (leia-se Rui Costa).
O presidente benfiquista sempre assumiu que a vinda de Schmidt foi da sua inteira responsabilidade, após uma aturada ponderação ao seu currículo e modelo de jogo, que na opinião de Rui Costa se apropriavam na perfeição à natureza do Benfica. E o que se viu durante os primeiros dois terços da época passada deu-lhe inteira razão. O Benfica mostrava então a faceta mais próspera do ‘Gegenpressing’ com um futebol vibrante e, por vezes, até avassalador, feito de agressividade, intensidade, reação rápida à perda de bola, recuperações em zonas altas e ataques fulminantes. Mas foi quando o Benfica já tinha dado os primeiros sinais de quebra de produção que Rui Costa e Lourenço Coelho decidiram estender o contrato do treinador até ao final de 2026, para surpresa de Schmidt, como o próprio deixou escapar no dia da renovação.
O Benfica perdeu parte substan-
cial da vantagem na liderança e acabaria por se sagrar campeão com apenas dois pontos à frente do FC Porto. Mas o balanço conti- nuou a ser positivo, até porque o alemão já havia, entretanto, confirmado a apetência para o aproveitamento da formação (António Silva, Gonçalo Ramos, Morato, João Neves e até Florentino), satisfazendo um anseio da SAD e dos adeptos.
O problema é que, já nesta temporada, se agravaram as deformações do modelo de jogo de Schmidt. E as dificuldades na transição defensiva e no ataque posicional só não resultaram mais cedo num atraso pontual maior porque o Benfica foi ganhando mais do que a sua qualidade de jogo justificava, designadamente nos confrontos diretos com o Sporting e o FC Porto.
O Benfica está hoje arredado das
duas taças domésticas e pratica- mente desenganado quanto à luta pelo título. É uma equipa capaz do melhor e do pior, como todas as que são demasiado dependentes do talento individual. Funciona melhor quando recupera a bola do que na elaboração do jogo, mas os maus resultados aumentaram a visibilidade para duas outras disformidades. Schmidt quase só olha para a sua equipa, desvalorizando as especi- ficidades do adversário e o lado estratégico do jogo, exceção feita aos recentes duelos com o Sporting. Acresce que, no banco, parece sempre angustiado, como se fosse um centurião romano a quem surgiu pela frente Astérix. É ainda acusado de substituir tarde e mal, e de, com isso, atrapalhar o ambiente no balneário – recorde-se a polémica entrevista de Kökçü. A verdade é que o Benfica voltou à sua versão mais satisfatória no duplo confronto com o Sporting, sendo amplamente elogiado apesar da eliminação na Taça e da derrota em Alvalade. E não deixa de ser uma evolução positiva no modus operandi de Schmidt a rotatividade que arriscou no recente triunfo sobre o Moreirense, por muito que o jogo em Marselha de quinta-feira o aconselhasse.
A Liga Europa pode servir para o Benfica garantir a presença na próxima Champions e para atenuar os estragos de uma época em que voltou a investir mais de 100M€ em reforços. Mas é duvidoso que isso bastasse para convencer os adeptos (e alguns dirigentes?) que querem ver Schmidt pelas costas. O alemão viu lenços brancos até após o triunfo magro sobre o Marselha.
Aqui chegados, vai ser interessante perceber se Rui Costa acha admissível pagar, n final da época, 26M€ de indemnização para despedir uma equipa técnica a quem ele duplicou o ordenado há pouco mais de um ano. Isto sem contar com os honorários do futuro treinador e com os custos da adaptação do plantel às suas ideias, seja ele José Mourinho ou outro qualquer. De certa forma, o futuro vai mostrar-nos se Rui Costa aceita que o Benfica seja dirigido de fora para dentro. Ou se, pelo contrário, não vai querer correr o risco de ser acusado de gestão danosa por quem sabe fazer contas.
Rui Costa devia ver o filme ‘Crimes e escapadelas’, em que a personagem interpretada por Woody Allen diz que “nós somos a soma das nossas decisões”. Dizer aos seus pares que Schmidt pode aprender com os erros e que Rúben Amorim terminou em quarto no ano passado também seria uma jogada de ‘maestro’...