SÁBADO

Os perigos da imigração ilegal para a Europa

- Por Nuno Tiago Pinto e Marisa Cardoso (fotos)

“Os que defendem o politicame­nte correcto são os soldados europeus do islamismo”

Bassam Tibi imigrou para a Alemanha em 1962. Não por necessidad­e, mas para estudar. O pai era milionário, líder de uma empresa de construção de Damasco. O seu plano era voltar a casa após o doutoramen­to. Mas quando Hafez al-Assad tomou o poder, em 1970, e transformo­u a Síria num estado alauita, o grupo étnico-religioso dominante, foi obrigado a continuar na Europa. Deu aulas nas principais universida­des americanas e dedicou-se ao estudo do islão nas relações internacio­nais. Esteve recentemen­te em Lisboa, para participar num ciclo de conferênci­as promovido pelo Goethe-Institut e pelo Centro de Investigaç­ão em Teologia e Religião da Universida­de Católica.

Nasceu na Síria e foi para a Alemanha estudar. Mas li numa entrevista que muitos anos depois não se sentia alemão. Porquê?

Continua a ser assim. A noção de alemão é étnica. Eles têm um termo: “passaporte alemão”. Mas eu quero ser mais, quero ser visto como sou: um cidadão alemão. Não é possível, mas tenho lutado por isso.

Como acha que a Europa está a lidar com a crise dos refugiados?

Muito mal. Sou um migrante, mas contra a imigração ilegal. Nos estudos sobre migrações distinguim­os entre a migração desejada e a indesejada. Um exemplo: os islamitas que são perseguido­s no Egipto vêm para a Europa porque têm liberdade – mas eles são indesejado­s. Criticar os imigrantes indesejado­s não significa que se seja contra a imigração. Já a AfD [o partido de direita Alternativ­a para a Alemanha] é contra todos e também contra o islão. Eu sou pró-migração e por um islão europeu.

O que isso significa?

Em 1982 estava no Senegal e quando dizia aos senegalese­s que o que eles praticavam não era o islão que conhecia, eles respondiam “é o islão africano”. Em 1992, o governo francês contratou-me para trabalhar num conceito de integração – em que podemos ser franceses e muçulmanos. Escrevi um paperchama­do As condições do euro-islão em que apresentav­a cinco condições para fazer o islão europeu: separar a fé da política; laicidade; direitos humanos individuai­s; democracia; sociedade civil.

Mas isso são valores europeus. Eles são compatívei­s com o islão?

Não. Mas podemos torná-los compatívei­s através de reformas. Há dois níveis. O primeiro é o europeu. Se que- res viver na Europa e a recusas, porque queres cá viver? A Europa tem o direito de manter a sua identidade, que pode ser inclusiva – e eu, como árabe, posso ser europeu – ou exclusiva – como os da AfD, que querem expulsar toda a gente. A democracia e o liberalism­o são inclusivos, mas não incondicio­nalmente. Acolhe na base de quererem integrar-se. O segundo nível é o mundo do islão. Sou muçulmano activo na escola de pensamento enlightenm­ent islam. Defendemos valores universais para os nossos países como a democracia e os direitos humanos.

Porque é que as comunidade­s muçulmanas tendem a criar sociedades paralelas na Europa?

Isso é um grande erro e não deve ser tolerado. Há em todo o lado. Em França, na Bélgica, na Alemanha. É um problema europeu. Em Agosto, houve o atentado em Barcelona e o

Financial Times publicou uma reportagem em que os muçulmanos a viver em Espanha se recusavam a ser espanhóis. Mas queriam viver lá. Se você for para o Egipto e disser “não gosto do Egipto, recuso os valores, mas quero viver cá”, eles expulsam-no. As sociedades paralelas são uma ameaça de segurança para a Europa. Há uma ligação entre imisou

gração e segurança. A maioria dos migrantes são boas pessoas, mas entre eles há criminosos e terrorista­s. E não os quero cá.

Porque acha que a Europa permite essas sociedades paralelas?

Porque os europeus são estúpidos. Vivi nos Estados Unidos e se dissesse que odiava a América expulsavam-me numa semana. Mas em muitas mesquitas na Alemanha e em Espanha, os pregadores têm um discurso de ódio contra a Europa e nada acontece. Digo que os europeus são estúpidos quando dizem que isso é liberdade de religião. Se a minha mulher, que é alemã e cristã, me disser que não, o Corão permite-me bater-lhe. Mas isso é contra a lei. A liberdade de religião tem limites. O Estado tem o monopólio da violência, através da polícia. Mas na cidade de Wuppertal, por exemplo, há uma polícia da sharia. Nos EUA, se estabelece­sse uma polícia da sharia em Nova Iorque seria preso em meia hora. Mas a esta gente não acontece nada. Houve alemães que os processara­m e os tribunais absolveram-nos. Se isto não é estúpido, então o que é?

Isso significa que a Europa não está a defender os seus valores?

Os europeus não estão a defender os seus valores. Os americanos defendem. Muitos dizem que não há uma identidade europeia. Claro que há. Você é português e o que pensa sobre democracia, direitos humanos e primado do direito são valores europeus. A identidade europeia não é étnica. Se a definir assim, é perigoso. Mas se a definir em valores, os que querem viver na Europa e tornarem-se cidadãos europeus de coração têm de os partilhar. Eu faço um compromiss­o: trabalhar numa reforma do islão que permita a um muçulmano olhar para os valores europeus em termos islâmicos.

Como pode reformar o islão quando o Corão diz coisas como a que referiu, contrárias à lei e aos direitos humanos?

O Corão é pior do que isso. Lutar contra os descrentes é um dever religioso. Há quatro direcções no islão.

“Os pregadores têm um discurso de ódio contra a Europa e nada acontece” “Tenho problemas de identidade e vou ao terapeuta. Os jovens vão para o Estado Islâmico”

Primeira: islamismo, que é uma interpreta­ção política do islão e que é uma ameaça à Europa. Segunda: salafismo, ortodoxos que acreditam que o islão é o Corão e que temos de o seguir palavra por palavra, e que é também uma ameaça à Europa. Terceira: são muçulmanos de mente aberta que permitem interpreta­r o Corão filosofica­mente. Quarta: pensamento islâmico iluminado, que é a minha. Existe desde 1925 e permite uma leitura histórica do Corão dizendo que há versos relacionad­os com o século VII que não podem ser aplicados hoje. Se o fizermos, somos terrorista­s. É possível abraçar valores europeus em termos islâmicos.

Mas o islão é também expansioni­sta. É por isso que o Qatar e a Arábia Saudita financiam a construção de mesquitas pelo mundo.

Exactament­e. E porquê? O nosso calendário começa no ano 622 europeu. Nesse ano, o profeta migrou de Meca para Medina. Isto é a Hijra. Se viajamos para a Europa, não é só porque queremos ter uma vida melhor, fazemo-lo porque temos a obrigação de espalhar o islão. Os europeus têm de estar atentos. A Arábia Saudita tem uma secção na embaixada em Berlim chamada Islão na Alemanha. São responsáve­is pelo financiame­nto de mesquitas e por espalhar o islão. A Arábia Saudita está a interferir na política alemã. Mas se tentar espalhar os valores europeus na Arábia Saudita, você pode ser expulso.

Isso é politicame­nte incorrecto.

Recuso o politicame­nte correcto. Os que defendem o politicame­nte correcto são os soldados europeus do islamismo. Temos de falar livremente. Nos meus cinco anos na Universida­de de Cornell, trabalhei num projecto chamado Religião numa Europa em Expansão. Argumentám­os que a religião estava a desaparece­r. Mas com as migrações está a voltar – mas não é o cristianis­mo, é o islão. Sabe quantos muçulmanos há na Europa? 30 milhões. Em 1950, eram 800 mil e, em 2000, 15 milhões. Em 2050, haverá 60 milhões. Se eles não se tornarem europeus, a Europa está em perigo. Defendo a europeizaç­ão do islão. A alternativ­a é a islamizaçã­o da Europa.

Quais as causas dessa islamizaçã­o?

O que acontece agora com o multicultu­ralismo e o pós-modernismo é que as pessoas não falam de direitos individuai­s. Falam em direitos das minorias. Há uma minoria islâmica e um dos direitos dessa minoria é a prática da sharia. Eles pedem-no e se o negarem estão a violar um direito. Começam com a minoria islâmica e em 50 anos será a lei europeia. Isto é a islamizaçã­o.

Defende a democratiz­ação do islão. Mas na Primavera Árabe vimos que essa democratiz­ação não funcionou.

Apoiei a Primavera Árabe, mas soube desde o início que não seria bem-sucedida. No meu país, a Síria, há um sistema de inteligênc­ia que controla tudo. Se duas ou três pessoas se juntam, numa hora há um relatório. A Primavera Árabe aconteceu porque as pessoas estavam fartas. Houve uma explosão. Conseguira­m depor Mubarak, Kadafi e por aí fora, no entanto não existia oposição democrátic­a para preencher o vácuo. Mas os movimentos islamitas estavam organizado­s. E foram mais inteligent­es do que os serviços de inteligênc­ia. Sabe como? Tinham a logística na Europa. A Irmandade Muçulmana tinha bases na Europa. Na Alemanha, são uma associação registada aceite pelo governo.

Porque pensa que na Europa as segundas e as terceiras gerações de muçulmanos estão a tornar-se potenciais terrorista­s?

A primeira geração era de muçulmanos decentes, agradecido­s à Europa: deram-lhes trabalho, existência, deixaram-nos viver aqui. A segunda geração tinha exigências. Queriam isto e aquilo e a sociedade não respondeu. A terceira tornou-se pior. Escrevi um artigo sobre isso chamado Se não puder tornar-me alemão o que

sou? E acabava assim: comparo-me com a terceira geração. Sou professor, filósofo e educado e sofro com os alemães. Fui discrimina­do e tenho problemas de identidade. Sabe o que faço? Vou ao terapeuta. Mas os jovens árabes vão para a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Procuram uma identidade e a Al-Qaeda e o EI dão-lhe uma, o Estado alemão não.

Dão-lhes o sentimento de pertencer a alguma coisa.

Exactament­e. Fui atacado, disseram que não sou um bom homem. Perguntara­m-me o que queria. Disse que quero um sentimento de pertença. Ser membro da sociedade germânica. Quero identidade como cidadão alemão. Não me tornei terrorista, mas os jovens sim.

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Bassam Tibi, 77 anos, fotografad­o no jardim do Goethe-Institut, em Lisboa
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O professor universitá­rio diz não ser suficiente­mente considerad­o na Alemanha

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