Benfica: juiz do Tribunal Arbitral pediu bilhetes
Membro do Tribunal Arbitral do Desporto confirma ter pedido cinco bilhetes para um jogo do Benfica, mas considera não ter violado o Estatuto Deontológico.
Foi a 11 de Abril deste ano que o administrador da SAD do Benfica Domingos Soares Oliveira encaminhou por email um pedido: cinco bilhetes para o jogo Benfica-Marítimo da época passada. Os lugares, segundo o administrador, deveriam ser “jeitosos”. Na resposta, Ana Zagalo, funcionária da direcção comercial, informou que “o melhor” disponível era no piso 1, bancada BTV ou no piso 1, sector 39, mais próximo da Tribuna Presidencial, mas menos central. O pedido em causa chegou ao administrador da SAD através de Fernando Seara e destinava-se a Miguel Lucas Pires, árbitro no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), indicado pelo Benfica em alguns processos, que correram naquele tribunal, como, por exemplo, o caso dos vouchers.
O Estatuto Deontológico do TAD é claro: “Quer durante quer depois de concluída a arbitragem, nenhum árbitro deve aceitar oferta ou favor proveniente, directa ou indirectamente, de qualquer das partes, salvo se corresponder aos usos sociais aceitáveis no domínio da arbitragem.” O código de conduta estabelece que um árbitro designado por uma das partes “não é seu representante ou mandatário, estando, em todas as circunstâncias, sujeito às obrigações deontológicas previstas neste Estatuto”, isto é, imparcialidade e independência. Em resposta à SÁBADO, depois de questionado se tal pedido não violaria o estatuto de árbitro, Miguel Lucas Pires confirmou ter solicitado ingressos através de Fernando Seara, sublinhando nunca ter solicitado bilhetes “a qualquer dirigente, funcionário, treinador ou jogador do Benfica”. “À data em que foram solicitados os convites em causa, o prof. Fernando Seara, ao que julgo saber, não exercia qualquer cargo na estrutura directiva do Benfica”, refere ainda Miguel Lucas Pires, acrescentando ter “há décadas” uma relação de amizade com Fernando Seara, desde o tempo em que este foi secretário-geral adjunto do CDS, liderado pelo seu tio, Francisco Lucas Pires.
Uma versão confirmada pelo próprio Fernando Seara à SÁBADO:
“Sou amigo do Miguel há muitos anos, umas vezes pedi bilhetes para ele, outras comprei-os”, afirma o advogado e comentador desportivo. Miguel Lucas Pires diz ainda que “todos os convites solicitados o foram por força da amizade que une vários elementos da minha família ao prof. Fernando Seara, independentemente das funções que eu e ele viéssemos desempenhando no momento da solicitação”. De acordo com a base de dados do TAD, Miguel Lucas Pires foi o árbitro designado pelo Benfica depois de o Sporting ter recorrido para aquela instância da decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que arquivou o chamado caso dos vouchers, entrega de presentes e senhas de refeição no Museu da Cerveja a árbitros. De acordo com o acórdão, Miguel Lucas Pires votou ao lado da maioria de árbitros do colégio arbitral, que decidiu pelo arquivamento do caso. Só o árbitro designado pelo Sporting, José Ferreira de Almeida, votou contra a decisão. Não por considerar que as ofertas, tal como estavam descritas, constituíam uma infracção disciplinar, mas porque, na sua opinião, o TAD deveria ter ido mais a fundo na investigação: “Parece que teria todo o cabimento diligenciar junto do Museu da Cerveja pela revelação de elementos sobre a utilização dos
vouchers, valores suportados por este estabelecimento com a oferta e a sua eventual imputação à Benfica SAD”, escreveu Ferreira de Almeida na declaração de voto.
O caso dos emails
Na passada semana, a SÁBADO revelou o teor do mandado de busca que foi apresentado pela Polícia Judiciária no Estádio da Luz quando, a 19 de Outubro, fez buscas nas instalações da Benfica SAD. Assinado por uma juíza de instrução, o documento referiu que “os factos sob investigação respeitam à suspeita da actuação de responsáveis da SLB-SAD, que, em conluio com personalidades do mundo do futebol e da arbitragem, procurarão exercer pressão e influência junto de responsáveis da arbitragem e outras estruturas de decisão do futebol nacional, tendo em vista influir na nomeação e classificação de árbitros”. As buscas foram autorizadas depois de, em Julho, tal como a SÁBADO também adiantou, outro magistrado judicial as ter inviabilizado por, entre outras razões, considerar que os emails não poderiam ser utilizados como prova, já que não foram obtidos de forma lícita. Neste processo, apenas Paulo Gonçalves, assessor jurídico da SAD benfiquista, foi constituído arguido, mas o caso tem mais suspeitos, como Pedro Guerra (ex-jornalista e comentador), Ferreira Nunes (antigo membro do Conselho de Arbitragem) e Luís Filipe Vieira, presidente do SLB, que foram alvos de buscas. O processo está a ser investigado pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ.
EM JULHO, UM JUIZ DE INSTRUÇÃO IMPEDIU A JUDICIÁRIA DE FAZER BUSCAS AO BENFICA