Escondem-se na escola e têm vergonha dos avós
Escondem-se nos teatros da escola, têm vergonha dos avós e passam por mal-educados. É natural?
Os ensaios para a festa de fim de ano prolongaram-se durante semanas. Como as outras crianças do pré-escolar, Manuel, de 6 anos, participou nos preparativos. Repetia gestos e letras de canções e, desta vez, tanto os pais como os responsáveis da escola estavam confiantes de que iria actuar. “Meses antes, na festa de Natal, ficou ao meu colo. Estava pronto a entrar, já vestido de boneco de neve, quando disse que não queria ir”, conta a mãe, Maria.
Agora, a poucos minutos de mais um espectáculo, voltou a hesitar. “Ainda disse que não queria, mas a auxiliar conseguiu convencê-lo.” Esteve com ele, em palco, e deixou-o esconder-se atrás de um avião de cartão, enquanto as outras crianças se exibiam. “Entrou e saiu escondido pelo avião”, refere a técnica comercial. “Esteve bem.” A timidez, por si só, não é um problema, garante a psicóloga Anna Galhardo. É uma característica frequente e natural nas crianças. “Só se torna problemática quando condiciona o quotidiano”, explica. “Pode ser consequência de problemas de auto-estima, medos ou até de experiências traumatizantes.” Noutras situações, é apenas um traço de personalidade. “Se as crianças são tímidas mas conseguem relacionar-se quando é necessário não há motivo para alarme.” Em Portugal, não há dados sobre o tema, mas a investigadora espanhola Inés Monjas, citada pelo jornal espanhol El Mundo, fez um cálculo: 10% das crianças e adolescentes serão tímidos.
Medo dos outros
Os tímidos coram com facilidade, tendem a isolar-se e têm dificuldade em estabelecer relações. “Até aos 3 anos é normal que sejam mais tímidos. Nesta fase, até costumam brincar lado a lado uns com os outros, sem interagir”, explica a psicóloga Isabel Pina. Mas a partir dos 4 anos, refere, já brincam frente a frente e espera-se que fiquem bem com a educadora e com mais uma ou duas crianças.
Ana apercebeu-se, pela primeira vez, que a filha Maria não se sentia confortável entre muita gente, na festa do segundo aniversário. Preparou tudo ao pormenor, convidou adultos e crianças, mas a filha não gostou. “Achei que ia adorar, mas assim que os miúdos começaram a chegar, fechou-se. Não queria falar nem conversar com ninguém. Se estiver com cada um dos amigos, de forma individual, sente-se bem. Com todos ao mesmo tempo, não.” Aos 5 anos, continua a ser uma criança reservada. Não olha directamente nos olhos. Fala baixinho e sussurra e, em situações mais embaraçosas, cola o queixo ao pescoço. Às vezes, até fica nervosa quando cumprimenta os avós. “Dorme em casa deles, muitas vezes, mas tem estas reacções”, assegura a mãe. Com os primos e os tios tem uma resistência semelhante.
Por ter um temperamento reservado, a mãe optou por matriculá-la numa escola mais pequena. “Pensei que pudesse ser um prolongamento de casa.” Como o comportamento se manteve, há poucas semanas, Ana decidiu falar com a directora da escola. “Perguntei-lhe se a Maria devia fazer terapia.” A professora consultou os colegas e deu um parecer negativo. “Disse-me que ela é supersociável. Tem as
ATÉ AOS 3 ANOS É NORMAL QUE SEJAM MAIS TÍMIDOS. A PARTIR DOS 4 ESPERA-SE QUE FIQUEM BEM COM A EDUCADORA
amigas dela e é capaz de intervir.” A timidez é uma reacção ao primeiro impacto, garante.
Em que situações devem, então, os pais ficar alerta? “Quando os miúdos ficam ansiosos, nervosos, choram e têm tremores”, esclarece a psicóloga Isabel Pina.
O que esconde a timidez?
Se a timidez pode ser um traço de personalidade ou revelar ausência de competências para interagir com outros, em alguns casos também pode ser uma reacção ao medo de falhar. Muitos miúdos refugiam-se numa timidez aparente para evitarem erros no processo de aprendizagem. “Não querem desiludir pais, professores ou a si próprios e retraem-se. Não pedem ajuda, não perguntam, não atiram uma ideia nova. É o espírito oposto ao da Web Summit”, aponta Maria Dulce Gonçalves, professora na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. “Isso prejudica-os, obviamente. Como não cometem erros, o processo de aprendizagem e desenvolvimento fica comprometido.” E sublinha: “A nossa comunidade incentiva este tipo de comportamentos, punindo quem arrisca, com expressões como: ‘Devias era ter ficado calado.’” Desde 2011, ano em que foi criado o projecto IDEA (Investigação de Dificuldades para a Evolução na Aprendizagem), a investigadora deparou-se com vários casos destes. “No meu trabalho encontro mais ‘crianças não consigo’, crianças que repetem a expressão ‘não consigo’ como um mantra, do que disléxicas.”
O impacto nos pais
A timidez das crianças acaba por inibir também os pais. Ana Moser é mãe de duas gémeas de 7 anos, e das primeiras vezes que as filhas viraram a cara a desconhecidos ou a familiares ficou incomodada. “Diziam-lhes olá e elas ficavam sérias. Agarravam-se às minhas pernas ou às do pai e passavam por antipáticas e mal-educadas”, conta a mãe. “Nunca insisti com elas. Percebi que quanto mais as obrigasse, mais ansiedade gerava.”
Carmo é a mais tímida das gémeas. “Se alguém se meter com ela, vira a cara. A Madalena pode não responder, mas sorri”, relata Ana Moser. “Por outro lado, quando estão à vontade, a Carminho é muito mais teatral. Adora fazer espectáculos em casa e é fã de ginástica rítmica.” A mãe nota que à medida que crescem, o problema tem sido minimizado. “O pai também é supertímido e conseguiu superar isso.”
MUITOS MIÚDOS REFUGIAM-SE NUMA TIMIDEZ APARENTE PARA EVITAREM ERROS DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM