Para que servem os jogos particulares
A UEFA vai criar em 2018 a Taça das Nações, por isso aproxima-se a última fase dos jogos insossos, mais turísticos que competitivos.
Algures em Buenos Aires, numa escola perto de si, a professora prende a atenção dos alunos com uma pergunta corriqueira. “Quem me sabe dizer uma palavra começada por P?” E eis que Manelinho, geralmente muito cabeça-no-ar e nada interventivo nas aulas, levanta o braço e põe-se de pé ao lado da secretária. Mafaldinha antevê o pior: “Lá vem asneira.” E o Manelinho diz: “Política.” Mafaldinha desabafa: “O que é que eu dizia?” Agora a sério, sem ser numa tira genial do Quino, a asneira começada por P é particulares. De jogos particulares. É uma coisa sem pés nem cabeça. Daí que a UEFA apareça com a ideia das Taça das Nações, já a partir de Setembro 2018. Quer isso dizer o fim dos jogos particulares. E ainda bem. No início, um particular é vivido como se se tratasse de um jogo a sério. Afinal, uma internacionalização é uma internacionalização. Com o passar dos anos (e a transformação do futebol português, de selecção ausente de tudo e mais alguma coisa até ao título de campeão europeu), a terminologia particular é quase sinónimo de desleixo.
Daí que Ronaldo não conste na lista de Fernando Santos para a próxima fornada de particulares – Arábia Saudita (dia 10, em Viseu) e Estados Unidos (14, em Leiria). Daí que Portugal tenha perdido em casa com Cabo Verde em Março de 2015 (sem beliscar minimamente a justiça e categoria da equipa então liderada por Rui Águas). Daí que Portugal tenha permitido a reviravolta da Suécia, no Funchal, em Março de 2017 (de 2-0 ao intervalo para 3-2). Claro, há sempre o outro lado da moeda. Nos jogos particulares com selecções mais a sério, Portugal dá outro ar e é mais
convincente. Que o digam, por exemplo, Argentina (1-0 de Raphaël Guerreiro) e Itália (1-0 de Éder). Impõe-se a pergunta: quando é que os jogos particulares deixam de ser a sério? No caso nacional, a data é 6 de Abril de 1969, um domingo de Páscoa. Com a paragem do campeonato da 1ª divisão, os grandes aproveitam para ganhar dinheiro em excursões: Sporting em Paris e o Benfica em Porto Alegre. Por cá, a RTP transmite em directo o Portugal-México. As bancadas despidas tomam conta da emissão, a moleza dos jogadores é perceptível aos olhos dos (tele)espectadores.
A primeira vez de Damas
No dia seguinte, os jornais castigam a passividade dos nossos, a falta de suor por amor à camisola. Curiosamente (ou não), é o jogo com mais estreias de sempre. Ao todo, oito. Sim senhor, oito jogadores estreiam-se nesse dia – e só um ultrapassa as cinco internacionalizações (Damas, 29). De resto, é para turista ver entre os setubalenses Conceição (5) e Carriço (3), os vimaranenses Manuel Pinto (2) e Joaquim Jorge (2), o académico Manuel António (4), o belenense Laurindo (1) e o varzinista Nélson (3). Destes oito, seis jogam de início e nenhum deles é sequer convocado para o encontro seguinte, com a Suíça, já a contar para o Mundial 70.
Daí para a frente, mais um caso ou outro de estreias exageradas num jogo particular. O mais recente é o tal 2-0 de Cabo Verde, na Amoreira, com sete magníficos entre Anthony Lopes, André Pinto, Paulo Oliveira, Bernardo Silva, Ukra, Danilo e André André. Aqui, do mal o menos, há uma nuance bastante importante porque o lote de apostas de Fernando Santos inclui um campeão europeu (Danilo) e três indiscutíveis para os 23 do Mundial 2018 (além de Danilo, Anthony Lopes e Bernardo).
Com o adeus inevitável aos particulares insossos nas datas FIFA (obrigado à UEFA pela criação da Taça das Nações), é tempo de fazer contas e o balanço evidencia números engraçados. Beto, por exemplo. O guarda-redes acumula 10 internacionalizações e só uma é para valer, durante o Mundial 2014. Ou o caso do melhor marcador português. Chama-se Pauleta (22), à frente de Eusébio e Ronaldo (15), Figo (14), Peyroteo (12) e Nuno Gomes (11). Ou seja, dos 47 golos internacionais de Pauleta, quase metade é nos particulares (a sua outra grande fatia é na qualificação para o Mundial: 19. Calma, muita calma nessa hora, não é nenhum bicho de sete cabeças. Até porque Messi é parecido com Pauleta (27 em 61). O caso mais flagrante de aproveitamento de particulares é o de Neymar, com 35 em 62 golos.