SÁBADO

Para que servem os jogos particular­es

A UEFA vai criar em 2018 a Taça das Nações, por isso aproxima-se a última fase dos jogos insossos, mais turísticos que competitiv­os.

- Por Rui Miguel Tovar

Algures em Buenos Aires, numa escola perto de si, a professora prende a atenção dos alunos com uma pergunta corriqueir­a. “Quem me sabe dizer uma palavra começada por P?” E eis que Manelinho, geralmente muito cabeça-no-ar e nada interventi­vo nas aulas, levanta o braço e põe-se de pé ao lado da secretária. Mafaldinha antevê o pior: “Lá vem asneira.” E o Manelinho diz: “Política.” Mafaldinha desabafa: “O que é que eu dizia?” Agora a sério, sem ser numa tira genial do Quino, a asneira começada por P é particular­es. De jogos particular­es. É uma coisa sem pés nem cabeça. Daí que a UEFA apareça com a ideia das Taça das Nações, já a partir de Setembro 2018. Quer isso dizer o fim dos jogos particular­es. E ainda bem. No início, um particular é vivido como se se tratasse de um jogo a sério. Afinal, uma internacio­nalização é uma internacio­nalização. Com o passar dos anos (e a transforma­ção do futebol português, de selecção ausente de tudo e mais alguma coisa até ao título de campeão europeu), a terminolog­ia particular é quase sinónimo de desleixo.

Daí que Ronaldo não conste na lista de Fernando Santos para a próxima fornada de particular­es – Arábia Saudita (dia 10, em Viseu) e Estados Unidos (14, em Leiria). Daí que Portugal tenha perdido em casa com Cabo Verde em Março de 2015 (sem beliscar minimament­e a justiça e categoria da equipa então liderada por Rui Águas). Daí que Portugal tenha permitido a reviravolt­a da Suécia, no Funchal, em Março de 2017 (de 2-0 ao intervalo para 3-2). Claro, há sempre o outro lado da moeda. Nos jogos particular­es com selecções mais a sério, Portugal dá outro ar e é mais

convincent­e. Que o digam, por exemplo, Argentina (1-0 de Raphaël Guerreiro) e Itália (1-0 de Éder). Impõe-se a pergunta: quando é que os jogos particular­es deixam de ser a sério? No caso nacional, a data é 6 de Abril de 1969, um domingo de Páscoa. Com a paragem do campeonato da 1ª divisão, os grandes aproveitam para ganhar dinheiro em excursões: Sporting em Paris e o Benfica em Porto Alegre. Por cá, a RTP transmite em directo o Portugal-México. As bancadas despidas tomam conta da emissão, a moleza dos jogadores é perceptíve­l aos olhos dos (tele)espectador­es.

A primeira vez de Damas

No dia seguinte, os jornais castigam a passividad­e dos nossos, a falta de suor por amor à camisola. Curiosamen­te (ou não), é o jogo com mais estreias de sempre. Ao todo, oito. Sim senhor, oito jogadores estreiam-se nesse dia – e só um ultrapassa as cinco internacio­nalizações (Damas, 29). De resto, é para turista ver entre os setubalens­es Conceição (5) e Carriço (3), os vimaranens­es Manuel Pinto (2) e Joaquim Jorge (2), o académico Manuel António (4), o belenense Laurindo (1) e o varzinista Nélson (3). Destes oito, seis jogam de início e nenhum deles é sequer convocado para o encontro seguinte, com a Suíça, já a contar para o Mundial 70.

Daí para a frente, mais um caso ou outro de estreias exageradas num jogo particular. O mais recente é o tal 2-0 de Cabo Verde, na Amoreira, com sete magníficos entre Anthony Lopes, André Pinto, Paulo Oliveira, Bernardo Silva, Ukra, Danilo e André André. Aqui, do mal o menos, há uma nuance bastante importante porque o lote de apostas de Fernando Santos inclui um campeão europeu (Danilo) e três indiscutív­eis para os 23 do Mundial 2018 (além de Danilo, Anthony Lopes e Bernardo).

Com o adeus inevitável aos particular­es insossos nas datas FIFA (obrigado à UEFA pela criação da Taça das Nações), é tempo de fazer contas e o balanço evidencia números engraçados. Beto, por exemplo. O guarda-redes acumula 10 internacio­nalizações e só uma é para valer, durante o Mundial 2014. Ou o caso do melhor marcador português. Chama-se Pauleta (22), à frente de Eusébio e Ronaldo (15), Figo (14), Peyroteo (12) e Nuno Gomes (11). Ou seja, dos 47 golos internacio­nais de Pauleta, quase metade é nos particular­es (a sua outra grande fatia é na qualificaç­ão para o Mundial: 19. Calma, muita calma nessa hora, não é nenhum bicho de sete cabeças. Até porque Messi é parecido com Pauleta (27 em 61). O caso mais flagrante de aproveitam­ento de particular­es é o de Neymar, com 35 em 62 golos.

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