SÁBADO

Os planos aos cinco anos

- Ângela Marques

Dou por ela logo em Tunes, ainda nem saímos da estação. Com um sotaque algarvio

e uma liberdade sulista, ela puxa o braço da mãe e pergunta, já como quem anuncia: “Eu queria ir a Paris no meu aniversári­o. Sabes, mãe? Eu queria.” Com o descaramen­to dos cinco anos, ela corrige-se: “Mãe, eu quero ir a Paris no meu aniversári­o, sabes?”

A mãe, farta de saber, diz-lhe que sim. A miúda, de olhar português suave – tão português e tão suave que se a Madonna andasse de Alfa faria dela sua afilhada antes de chegarmos ao Pragal –, insiste: “Eu quero, mãe.” A mãe, de olhos fechados, anui. O monólogo, contudo, flui. O resto da carruagem, ao ouvir o sétimo “sabes?”, leva a mão à carteira: estamos dispostos a comprar-lhe já o bilhete de avião se isso nos permitir dormir no comboio até Lisboa. Percebendo o enfado generaliza­do, a mãe tenta sossegá-la: “Sim, vamos lá ver a mana no Natal.” O resto da carruagem inspira, expira e relaxa. Disposta a mostrar-nos que o melhor do mundo são as crianças, ela, transforma­da em martelo pneumático, regressa ao tópico: “Mas eu quero ir no meu aniversári­o para ir mais vezes, sabes, mãe? Porque Paris é muito divertido, sabes?” Ri-me. Divertida és tu, pensei. Agora ela dorme e eu lembro-me que esta semana faço 35 anos. Quando pensava em ser grande imaginava-me assim: não teria trinta e poucos nem trinta e muitos, teria 35, cabelo comprido e um ar sério. Tenho o cabelo comprido com que sonhei e coisas sérias para dizer à miúda que era com cinco anos e se imaginava com 35. Por exemplo: “Virão dias piores, mas virão dias melhores. E teremos sempre Paris, sabes?”

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