UM PROJECTO DE ARQUITECTO EM BRAÇO DE PRATA
BRAÇO DE PRATA
QUANTO CUSTA? De €500.000 a €2,5 milhões (€5.200/m2) ONDE FICA? Frente ribeirinha de Marvila DATA DE CONSTRUÇÃO Em curso; a fase inicial ficará concluída no primeiro trimestre de 2018 TIPOLOGIA T2 a T6 dúplex em 28 apartamentos; total previsto de 499 fogos num prazo de seis a 10 anos LUXO ESPECIAL As fachadas são basculantes para deixarem entrar mais luz natural; estão revestidas por módulos de cerâmica azuis e brancos, uma alusão aos azulejos típicos
Um bairro de luxo em vidro e betão começa a ganhar forma na zona oriental de Lisboa. É amplo – caberiam lá dois centros comerciais Colombo – e tem um visual futurista. As casas high-tech destacam-se pelas fachadas basculantes, que abrem para dar entrada à luz natural e fecham em caso de ventos fortes. São dois edifícios cinzentos, de 28 apartamentos em cinco pisos, que se impõem num poeirento estaleiro virado para o Tejo. O contraste com a velha cintura industrial da cidade é impressionante. Nas proximidades do stande de vendas, as ruínas de ferro e tijolo da Tabaqueira atraem curiosos que ali tiram fotos.
Mais betão virá, depois de esgotados os projectos urbanísticos no Parque das Nações e de criada a brecha em Marvila. A construção do bloco seguinte do empreendimento já está em curso. De segunda a sábado, cerca de 400 operários da construção civil trabalham das 8h às 19h e por vezes prolongam a empreitada até às 22h, num frenesim: há cinco máquinas giratórias para escavações, três retroescavadoras e duas gruas multifunções para erguer o Prata Living Concept.
Desvios de trânsito vedaram a Praça 25 de Abril e a icónica escultura de José de Guimarães, à medida que os arruamentos em obras ficam pontuados por cores. O parque infantil na margem do rio está concluído e as primeiras árvores (plátanos e jacarandás) começam a ser plantadas. Já em Dezembro está prevista a apresentação do primeiro bloco do condomínio – o 8 – para que as escrituras decorram no primeiro trimestre de 2018. Os preços começam nos 500 mil euros (para um T2) e vão até aos 2,5 milhões (T6).
São valores simpáticos para os padrões dos compradores-mistério (nenhum deles se mostrou disponível para falar com a SÁBADO, apesar das insistentes tentativas com imobiliárias), quando comparados com os de Madrid, Paris, Berlim ou Manhattan. De meados de 2016 até hoje, a corrida aos imóveis-sensação de Marvila ganhou velocidade: 80% do primeiro lote foi vendido.
Ao nível do “segmento alto” (uma palavra-chave no léxico das imobiliárias, porque os ricos, dizem-nos, consideram que o termo “luxo”, além de banalizado é ostensivo), a procura varia na razão directa dos preços. A fracção mais cara já tem dono: um T5+1 dúplex com 388 metros quadrados e mais 136 metros quadrados de terraço. Para júbilo dos vendedores, quatro dos sete dúplex dos últimos pisos estão reservados ou vendidos. “A valorização desta zona é um caminho sem volta. A Câmara de Lisboa está a trabalhar na construção da área pública de jardins e esplanada em frente aos prédios”, afirma à SÁBADO Fernando Goldman, director de negócios da Consultan, uma das três mediadoras a vender o empreendimento. Um colega da Porta da Frente Christie’s, Miguel Lacerda, acrescenta: “Venderam-se os apartamentos de topo. No seguimento de Santa Apolónia, o que vai acontecer de reabilitação será para este lado. Este projecto será o motor.”
De facto, é um novo ciclo para a zona cinzenta da cidade. A Câmara de Lisboa adiantou à SÁBADO que está a decorrer o concurso público para a adjudicação da obra da primeira fase do Parque Ribeirinho Oriental (frente ribeirinha contígua ao loteamento Prata, do Poço do Bispo até ao edifício da Tabaqueira). Por outras palavras, vem aí uma marginal de 86 mil metros quadrados que se estende até ao Parque das Nações. “A execução será faseada. A primeira fase corresponde a 43.100 m2 e a fase dois [frente ribeirinha ao plano de pormenor da Matinha] a 42.900 m2”, pormenoriza a autarquia.
A força-motriz, o empreendimento Prata, tem lojas, res-
A PAR DE NOVOS PROJECTOS, LISBOA VAI TER UMA NOVA MARGINAL DE 86.000 M2 ATÉ AO PARQUE DAS NAÇÕES
taurantes e bares nos pisos térreos. Haverá uma zona comercial de apoio aos moradores, uma praça e áreas verdes na frente ribeirinha. Nas 499 fracções previstas não há piscinas – que em geral são cartões-de-visita para aumentar as vendas –, mas outros atractivos banais para este nicho: climatização em todas as assoalhadas; cozinhas equipadas com marcas de topo; pisos de carvalho. O maior chamariz será mesmo a assinatura de Renzo Piano, o arquitecto italiano que se notabilizou pela obra no Centro Georges Pompidou, em Paris. Em Dezembro, a Norfin (a gestora do fundo de investimento Lisfundo, apoiado pela Caixa Geral de Depósitos e pelo Novo Banco, cujos responsáveis não quiseram prestar declarações à SÁBADO) prevê a apresentação oficial.
O outrora Jardins Braço de Prata é uma velha história que leva duas décadas de avanços e recuos. Em 1997, a câmara deu luz verde para os parâmetros urbanísticos no local. Sete anos depois deu entrada o pedido de licenciamento de loteamento, que viria a ser aprovado no ano seguinte (2005). Primeiro recuo: em 2008, quando houve uma alteração ao projecto. Mais dois anos de espera até ao alvará ser emitido, a 12 de Novembro de 2010. “Previa 18 meses de execução da obra”, explica a autarquia. A primeira pedra foi lançada em Dezembro de 2010, mas aconteceu, novamente, um retrocesso. O empreendimento ficou parado anos a fio, devido à falência da construtora Obriverca. “Tendo posteriormente sido emitido o aditamento ao alvará, em 31 de Julho de 2015, que estabelece um prazo para a execução de obras de 48 meses, ou seja até 31 de Julho de 2019.”
Retomadas as obras com uma nova promotora – esta afirma no seu site ser o maior projecto em curso em Lisboa –, o supercondomínio invade o mercado na fase mais fértil em construções de topo.
Nuno Nabais, fundador do centro cultural Fábrica do Braço de Prata (antiga unidade fabril de munições de artilharia), acompanha o processo de perto – literalmente. Está a poucos metros da empreitada e expectante. “Há centenas de operários e máquinas. Não via isto há muitos anos na cidade.” Para o professor de Filosofia da Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, o seu pólo de concertos e exposições funcionará como “um enclave rodeado de edifícios de luxo, que recupera as memórias mais românticas do 25 de Abril de 1974”.
Em rigor, Nuno não está sozinho. Na vizinhança, a comunidade artística converte armazéns velhos e bafientos em galerias de arte e os palacetes degradados recebem projectos multidisciplinares. Novos restaurantes têm aberto nos últimos meses e os bares estão cheios. As noites tornam-se cada vez mais concorridas e tudo isto somado faz disparar o valor da zona. O que em linguagem imobiliária se traduz no aumento do preço por metro quadrado (agora nos 5.200 euros, segundo as estimativas da Consultan).
JUNTO AO PROJECTO DE MARVILA, CONVERTEM-SE ARMAZÉNS VELHOS EM GALERIAS DE ARTE “REABILITAR BEM É MAIS CARO DO QUE FAZER DE NOVO”, AFIRMA O ARQUITECTO VALSASSINA