SÁBADO

A CIDADE QUE ESTÁ A MUDAR DE LUGAR

Construída sobre a maior mina de minério de ferro do mundo, que sustenta a economia local, Kiruna está a ser deslocada.

- Por Bruno Faria Lopes

Agrande igreja de madeira em Kiruna foi votada em 2001 o edifício mais popular da Suécia – em breve será fotografad­a ao detalhe e desmontada tábua a tábua, para ser de novo erguida com os materiais e o desenho originais, a cerca de três quilómetro­s do local onde está desde 1912. Não vai ser caso único. Mais de cinco mil habitações, escolas, escritório­s, um hospital, uma auto-estrada e dezenas de lojas vão ser mudadas. A operação de mudança de quase toda a pequena cidade de 18 mil habitantes, já dentro do círculo polar Árctico, está a ser feita por fases. A primeira, a construção do centro, termina em 2019.

A deslocação deve-se ao que explica a existência da cidade mais setentrion­al da Suécia: Kiruna está sentada nas margens da maior mina de minério de ferro do mundo. A mina, de onde a empresa estatal LKAB extrai 26 milhões de toneladas de minério, incluindo um componente raro usado em iPhones, é outra cidade. Os trabalhado­res entram de carro e autocarro e o piso principal está a mais de um quilómetro abaixo da superfície (onde fica o restaurant­e dono do recorde mundial de profundida­de). O túnel de acesso é tão largo que já albergou um circo de Natal. Para ir atrás do enorme bloco subterrâne­o de minério, a empresa que arrancou no fim do século XIX com um buraco a céu aberto vai perfurando cada vez mais, pondo em causa a sustentabi­lidade, no sentido literal, de cada vez mais secções da cidade. Esta grande mudança não é a primeira – já foram deslocadas lojas e até a linha ferroviári­a e a estação de comboios –, mas desta vez inclui praticamen­te toda a cidade, até o centro. As despesas de demolição e reconstruç­ão são pagas pela LKAB, como define a lei sueca – a factura deverá ultrapassa­r o montante de 1.400 milhões de euros inicialmen­te previsto, segundo a Bloomberg.

Reinventar a cidade antiga

Todos os blocos de apartament­os vão ser demolidos excepto 21 edifícios, que serão deslocados tal e qual como estão. “É importante ter edifícios antigos na cidade nova senão vai parecer toda igual”, nota Eva Ekelund, responsáve­l camarária de Kiruna, citada pelo The Guardian. Há a possibilid­ade de mais edifícios antigos serem preservado­s, mas a maioria vai para demolição. A cidade actual não é um exemplo de beleza e de planeament­o e a ideia das autoridade­s e do gabinete de arquitectu­ra é aproveitar a mudança para corrigir estes problemas (veja os planos em www.en.white.se/projects/kiruna). Entre as pessoas de Kiruna há receios. Sem datas de construção à vista alguns temem que a empresa não tenha capacidade financeira para deslocar toda a cidade, ficando a meio do trabalho. E há quem receie que as rendas das casas novas se tornem proibitiva­s depois do período mínimo de cinco anos com renda controlada oferecido pela LKAB. Mas as reportagen­s do The Guardian e da Bloomberg sugerem que a maior parte dos cidadãos não se opõe à mudança – tal como no passado, a mina é o pilar da economia local.

A IGREJA HISTÓRICA VAI SER DESMONTADA TÁBUA A TÁBUA E RECONSTRUÍ­DA NA NOVA CIDADE

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Kiruna, a cidade mais a norte da Suécia, e a enorme mina, ao fundo, gerida por uma empresa pública desde o fim do séc. XIX
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O centro da futura Kiruna, segundo imagens do gabinete de arquitectu­ra White

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