A culpa é da Internet
Os irmãos Grimm revelaram os contos de fadas, os irmãos Green fizeram da literatura de John, o autor de A Culpa é das Estrelas , um fenómeno das redes sociais. O seu novo romance, Mil Vezes Adeus, acabado de publicar em Portugal, ameaça Dan Brown nos tops
Aascensão do norte-americano John Green ao estatuto de estrela pop coincide com o nascimento de um novo tipo de escritor – o das redes sociais, cujo sucesso é alimentado pela autopromoção massiva neste tipo de plataforma. A Culpa é das Estrelas, história de amor entre adolescentes com cancro, que o romancista actualmente com 40 anos publicou no início de 2012, foi um fenómeno criado pelos jovens que já o seguiam religiosamente – e ao irmão mais novo, Hank, com 37 – na Internet. Num par de meses, o livro – que já era o sexto, mas foi o primeiro a não passar despercebido – chegou ao primeiro lugar da tabela dos mais vendidos do The New York Times, da Amazon e da Barnes & Noble, o que acelerou as edições em dezenas de países (incluindo Portugal, que teve a sua versão traduzida nesse mesmo Verão) e a adaptação ao cinema, em 2014, numa altura em que as vendas já superavam os 40 milhões em todo o mundo.
Tudo isso foi construído a partir do YouTube, em que os irmãos iniciaram o projecto Brotherhood 2.0 em 2007, embrião do actual Vlogbrothers, com 3,5 milhões de seguidores e uma imensa rede de canais (de opinião, ciência e até diários de personagens ficcionais). Foi aí, também, que Hank documentou, passo a passo, em vídeos com que os fãs naturalmente se identificam, a digressão de John pelos Estados Unidos – ao estilo de estrela do pop rock, com bilhetes a esgotar e filas a perder de vista – para promover o novo Mil Vezes Adeus, que chegou no dia 6 às livrarias portuguesas. Também com cinco milhões de seguidores no Twitter e três milhões no Facebook (em que as sessões da digressão, terminada a 1 de Novembro, foram transmitidas em directo), não espanta que John tenha conseguido pôr o seu novo livro no primeiro lugar da tabela de vendas do The New York Times na mesma semana em que foi publicado Origem, o último romance de Dan Brown. É verdade que estão em listas diferentes – Mil Vezes Adeus é para maiores de 14 anos e figura na categoria de Jovens Adultos –, mas os números não mentem: a nova história de Green, que o jornal The Guardian chamou de “novo clássico moderno”, comparando os seus clichés com os das melhores canções pop, já vendeu mais exemplares do que o novo do autor d’O Código Da Vinci.
O feito não dependeu só do talento de John, mas também do marketing certeiro de Hank, também músico (com quatro álbuns editados) e conferencista, o que mostra que estes irmãos estão tão decididos a inscrever o seu nome na História, como estiveram, no século XIX, os alemães Grimm, que compilaram (ao seu estilo próprio) os contos de fadas tradicionais – revelando ao mundo clássicos como Branca de Neve, A Bela Adormecida ou O Polegarzinho.
Desta vez, John – que tem repetido, ao longo da digressão, que este foi o seu livro mais difícil, porque sentia “as pessoas a espreitar” por cima do seu ombro, roídas de expectativa, enquanto escrevia – criou um alter ego feminino para falar da doença mental de que sofre desde miúdo: o transtorno obsessivo-compulsivo, que nunca antes teve coragem de abordar nas suas ficções. Trata-se de Aza Holmes, uma adolescente de 16 anos que, por amor ao filho de um bilionário, se transforma em detective, com o objectivo de localizar o pai dele, desaparecido. Só que, ao contrário do que acontecia ao “clássico” Holmes, o Sherlock, a mente doente dela não ajuda...