Nuno Rogeiro
Paradoxalmente, a “geringonça” de Novembro de 2015 abriu o caminho a uma cooperação entre a “direita” e a “esquerda”, em vez de agravar o fosso entre as duas. Falo, claro, de “direita” e “esquerda”, no microcosmos que é o sistema partidário doméstico.
No resto da vida, já muitas pessoas colaboram em diversos projectos sociais, culturais, artísticos, desportivos, independentemente da sua “opção ideológica”, como se costumava dizer. E muitos, nas dimensões nacional, regional e local, entreajudam-se e organizam eventos “políticos” em sentido próprio, mas independentemente dos partidos, fora dos partidos e sem os partidos, embora ainda não, na maior parte dos casos conhecidos, contra os partidos.
Há dois anos, porém, António Costa conseguiu, no salão partidário, quadrar o círculo.
Pôs PCP e BE a apoiar, parlamentarmente, um governo que acredita na NATO, no “Ocidente”, no capitalismo moderno, na aliança estratégica com Washington, na união de Bruxelas e no euro, no combate ao terrorismo, do Iraque ao Afeganistão, no equilíbrio orçamental e na responsabilidade fiscal. E esse apoio deu-se em troca de quê? Da declaração de que não há inimigo à “esquerda”, mas apenas “diferenças de planos, ideias e visões do mundo” (isto é, quase tudo).
Da promessa de restituição de “poder de compra aos trabalhadores e às classes mais desfavorecidas”. Do cancelamento (mais ou menos) rápido das medidas “de austeridade”. De uma “total abertura” às reivindicações dos grandes sindicatos (concessão ao PCP).
De uma ainda maior largueza face a medidas “revolucionárias” da moral e dos costumes tradicionais (concessão ao BE).
Como funciona isto na prática?
Como um casamento de conveniência, em que os nubentes não precisam de se amar, mas protegem um património comum: abstêm-se de comentar a fealdade de cada um, mas têm o olho atento ao possível desaparecimento dos diamantes.
Seria possível um “arranjo” parecido com um governo PSD-CDS, ou PSD apenas, fosse na versão PSL ou na modalidade Rio? Com o BE pareceme difícil, com o PCP não me parece impossível. Até agora, achou-se que a “comunhão de valores” entre os partidos do apregoado “arco de governabilidade” levava a coligações ou acordos (“pontuais”, “circunstanciais” ou “estratégicos”) apenas entre PSD, PS e CDS/PP. PCP e BE, como antes a UDP, pertenciam a outra galáxia.
Mas as coisas mudaram, face à dificuldade de formação de maiorias absolutas, ao desprestígio dos grupos parlamentares tradicionais, à abstenção, ao crescimento de independentes, às várias transformações doutrinais e ao aparecimento de novas tendências na moda partidária.
Em tempo de fome, todos comem sapos vivos. Formalmente, o recurso começou com o apoio de Cunhal a Soares. Mas teve a consumação perfeita na “geringonça”.
E sendo certo que PSD e CDS se reclamam como partidos cada vez mais “nacionais” e tentados a um certo populismo, cada vez mais “pragmáticos” e menos programáticos, e que o PCP também se nacionalizou, por fases, e defende hoje uma espécie de “patriotismo social”, não seria impensável um apoio deste a um governo daqueles, com as mesmas (ou mais) condições que colocou a Costa.
Muitos falam já disto. E não só nos recantos discretos, ou em sussurro. E não só por causa da impaciência de Marcelo.
E não só por causa dos “ses”, “mas” e “no entanto” na votação do OGE.
P.S. – O Urban Beach é um dos lugares de eleição de Lisboa, que devia orgulhar-nos. Teria tudo para ser um dos melhores espaços de diversão da Europa. Mas não pode haver transigência em matérias de vida ou de morte. E os poderes públicos têm de manter a tranquilidade na rua, com PSP ou Polícia Municipal. Esta coopera com aquela em matérias de protecção (LPM, art.2º, 2), identificando, detendo e conduzindo à justiça os surpreendidos em flagrante delito (LPM, art. 4º,1, al. e). O presidente da CML não pode assim cometer o grave dislate de dizer que não lhe compete a segurança da cidade.