SÁBADO

João Pereira Coutinho

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PORTUGALES­TÁBEMERECO­MENDA-SE.Na passada semana, dois neandertai­s sovaram três pessoas em Coimbra – uma delas em posição jacente, inanimada, desarmada. Continuam em fuga. Mas sabemos agora que um dos criminosos – peço desculpa: suposto criminoso – já tinha sido condenado em tribunal por quatro crimes envolvendo agressões físicas severas. As penas, sempre suspensas, incluíram coisas como “450 horas de serviço à comunidade”, apesar de as notícias serem omissas sobre o tipo de serviço. Apoio a idosos? Espancamen­to de idosos? Apoio e espancamen­to, consoante os dias? Um pesado silêncio desce sobre esta matéria.

Sobre esta e sobre outras. Não vale a pena elaborar sobre a acção do Estado nos grandes incêndios do ano. Embora a palavra correcta seja “omissão”, e não “acção”: ainda sobre os fogos, descobre-se também que o governo não entregou à Protecção Civil o software necessário para controlar o SIRESP. Porquê? Não sabemos. Isso interessa? Também não.

Como não sabemos nem interessa por que motivo o governo não apertou o controlo da qualidade do ar nos edifícios, quando há mais de um ano votou favoravelm­ente uma recomendaç­ão do Parlamento para o efeito. Conclusão: uma pessoa vai a um hospital público fazer análises de rotina e, dias depois, está morta por legionela. Acontece. Um pessimista diria que Portugal é um antro de desistênci­a e decadência. E alguns, mais eruditos, lembram os filósofos antigos e perguntam: depois das vinganças do fogo e do ar, o que nos reservam a água e a terra? Inundações? Terramotos?

Um pessimista devia comprar o bilhete e rumar para a Web Summit, onde o nosso primeiro-ministro, com um sorriso de orelha a orelha, promete combater os “desafios globais”, já que nos nacionais não se safa.

Com espírito patriótico, devemos desejar boa sorte ao dr. Costa – e procurar refúgio num outro planeta.

PASSAM100A­NOSSOBREAR­EVOLUÇÃO BOLCHEVIQU­E – e a Rússia optou por não comemorar a data. Vladimir Putin, manifestam­ente, não gosta de concorrênc­ia desleal. E é provável que os russos não tenham uma opinião favorável sobre um regime que matou 20 milhões de compatriot­as – e escravizou um continente inteiro. Como diria Lenine, que fazer?

Sugestão pessoal: enviar para Moscovo a prosa hagiográfi­ca que se produziu em Portugal na efeméride. Estamos em 2017. Mas é possível encontrar ainda um partido comunista “ortodoxo” (na teoria, não na prática) – e dezenas de “intelectua­is públicos” que, em jornais ou revistas, sem falar no circo televisivo, recusam “simplismos”. Na peculiar cabeça desta gente, a catástrofe do comunismo não pode apagar a sua “mensagem de esperança”. Imagino que dirão o mesmo em 2033, no centenário da chegada de Hitler ao poder: o que é o Holocausto quando a Alemanha mostrou que é sempre possível renascer das cinzas? Se os russos lessem a prosa da nossa gente, talvez curassem a respectiva ingratidão. E, quem sabe, talvez soubes- sem o que fazer com o corpo embalsamad­o de Lenine, que permanece no seu mausoléu à espera de dias melhores (digamos assim).

Este ano, um grupo de deputados voltou a propor o enterro do cadáver. A coisa é macabra, a maioria dos russos já deu para o peditório e, por falar em peditório, os 160 mil euros anuais de manutenção não compensam.

O partido comunista local opõe-se. E Putin, para não comprar guerras desnecessá­rias, prefere não tocar neste infecto assunto. Serei o único a vislumbrar um compromiss­o?

Se o cadáver de Lenine continua a ser controvers­o, o melhor era despachá-lo directamen­te para Portugal. A julgar pela idolatria reinante, a exibição do homem seria um sucesso bem maior do que qualquer Web Summit. MASCHEGADE­WEBSUMMIT.Que obsessão é esta? Milhares de turistas são bons para a economia, deixam 300 milhões de euros no País e só confirmam como é difícil aos seres humanos viverem sem religião.

Era Chesterton quem dizia que quando se deixa de acreditar em Deus passa-se a acreditar em qualquer coisa. Essa “qualquer coisa”, no século XXI, é a Tecnologia (com maiúscula), na qual o homem ocidental deposita todas as esperanças perdidas: a conquista do mundo e, já agora, a conquista da imortalida­de.

Quem disse que as “religiões seculares” tinham acabado no século XX? Não acabaram. Parafrasea­ndo o filósofo, elas começaram por ser tragédia e são hoje uma grande farsa.

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Politólogo, escritor João Pereira Coutinho

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