SÁBADO

Aurora Cunha e Jorge Teixeira: a moda do atletismo

Tricampeã mundial de estrada entre 1984 e 1986, Aurora Cunha teve de enfrentar preconceit­os. Jorge Teixeira põe milhares a correr

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Aurora Cunha e Jorge Teixeira, duas figuras do atletismo, que já completara­m muitas maratonas, falam da moda das corridas em Portugal em mais um capítulo das

Conversas com Futuro, uma iniciativa CMTV/SÁBADO/EDP. Aurora, quando começou a dar passos para este seu futuro de corredora?

Aurora Cunha (A.C.) – Tive de lutar contra as pessoas da minha aldeia [Ronfe, Guimarães], até contra o padre. Os meus pais sofreram muito porque parecia mal uma jovem com 15 anos andar a correr a mostrar as pernas. Depois, em 1976, dá-se o passo mais importante na minha vida como atleta: fomos para Lisboa, para os campeonato­s nacionais de pista. Ia vestida toda de preto, com umas meias até aos joelhos, não tínhamos sapatos de bicos e havia um empresário amigo da minha irmã que lhe disse para me dar 7,50 escudos para comprar uns sapatos. Em Lisboa, fomos ao centro de estágios, ao meu querido Alberto Silva, só que ele não tinha 36, só o 37. Eu, para resolver a situação, peguei numas folhas de jornal, entupi o sapato até à biqueira, de maneira que não saísse, e fui correr os 1.500 metros. E bati o recorde nacional, que pertencia à Rosa Mota. Quando corto a meta, tenho os jornalista­s a perguntar-me como é que foi possível aquilo? e eu disse: “Bom, foi a biqueira dos sapatos que cortou a meta, não fui eu.” E foi assim o meu começo no atletismo. Um começo brilhante. Jorge, em que momento começou o seu futuro de corredor?

Jorge Teixeira (J.T.) – Um dia fomos correr a meia maratona da Nazaré, eram 3.210 participan­tes e eu sou o 3.200 à chegada, fui o décimo a contar do fim, uma classifica­ção horrorosa… Fiz 2h26 e o controlo fechava às 2h30. Vinha ali um bocado atrapalhad­o das pernas, mas o que é certo é que meti na cabeça que havia de fazer a meia maratona e fiz. Comecei- -me a apaixonar por isto e virei corredor. Dois anos depois estava a correr a maratona de Londres em 2h39, o dobro da distância quase no mesmo tempo que tinha feito a Nazaré. Aurora, há pouco falava das dificuldad­es que sentia na sua aldeia, a aceitação de uma mulher correr. Isso mudou radicalmen­te ou ainda há resistênci­as?

A.C. – Não, completame­nte. Até porque aquilo que está a acontecer, o fenómeno da corrida nestes últimos 20, 25 anos, também tem um bocadinho a ver com aquilo que nós construímo­s, que fizemos pelo desporto e pelo atletismo em Portugal. Claro que pode haver ainda alguns preconceit­os, mas felizmente, e no caso da mulher, mudou radicalmen­te. O Jorge passou de corredor a dirigente desportivo em clubes na área do atletismo e tem uma empresa no Grande Porto que organiza as provas mais importante­s no Porto e arredores e, de certa forma, também em Portugal. Portanto, é por sua

causa que há milhares de pessoas, incluindo muitas mulheres, a correr, cada vez mais, ano após ano.

J.T. – Eu sou um homem baixo, pequeno, mas de sonhos grandes. E quando, há muitos anos, levei a cabo a organizaçã­o da primeira corrida, que teve mais de 5 mil participan­tes no Porto, que se chama Corrida do Dia do Pai... e o que é que era isto da Corrida do Dia do Pai? O Dia do Pai calha à semana, como é que vamos fazer isto?, Portanto, no domingo mais próximo do Dia do Pai organizámo­s uma corrida, conseguimo­s incentivar a comunicaçã­o com um patrocinad­or que pagou pelas pessoas e nós obrigávamo­s as pessoas a correrem todas com a camisola e aí começou, de facto, o culto da imagem da prática do exercício físico, através da corrida, da caminhada… Começou o início deste futuro. J.T. – Exactament­e, começou aí a construir-se este futuro e depois vem então a loucura: 2004, Euro 2004, muitos estrangeir­os por cá, já tinha 10 anos de organizado­r, já me sentia com capacidade para organizar uma maratona, porque não é para qualquer um, tem uma complexida­de enorme. Aliás, nós planeamos a maratona antes, durante e depois. Começámos com 312, desculpem-me o termo, maduros a fazer os 42 km quase sozinhos…

Hoje tem quantos, 15 mil? J.T. – Estamos a caminho das 15 mil participaç­ões. Aqui vem a palavra credibilid­ade. Podemos ter um conjunto de sonhos que depois não se tornam realizávei­s, mas não! Eu, quando idealizo um sonho sei que o vou realizar. Aurora, o FC Porto é o seu clube do coração? A.C. – Sim, quando deixei a minha aldeia, em 1977, fui para o FC Porto, onde o Benfica e o Sporting tentaram ir buscar-me, mas não conseguira­m. O FC Porto falou mais alto. Qual foi a medalha que mais gostou de ganhar?

A.C. – Quando Portugal foi pela primeira vez aos Campeonato­s do Mundo de Estrada, os 10 quilómetro­s, em Madrid. Quer dizer, eu sabia que tinha todas as condições para ganhar, mas ganhar com tanta facilidade, não. Portanto, comecei aí a fazer a verdadeira história e os portuguese­s e a imprensa portuguesa começaram a dar-me valor.

Jorge, numa entrevista que deu ao jornal A Bola, afirmou que gostava de ser conhecido como o Pinto da Costa das maratonas. J.T. – O correcto é o Pinto da Costa do atletismo porque, realmente, coloquei o Norte do País no mapa e na prática do exercício através da corrida. Aurora, para terminar, houve algum momento na sua carreira em que sentiu que o futuro lhe estava a fugir? A.C. – O meu pior momento foi quando desisti na primeira maratona, na Coreia do Sul. Apostei na maratona e não o devia ter feito e aos 32 quilómetro­s tive de abandonar. Essa, tal como a de Barcelona, foram os dois momentos mais difíceis da minha vida. Independen­temente disso, tem um passado lindo e maravilhos­o.

A.C. – Mesmo não tendo a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, acho que tenho uma carreira de que todas as atletas que agora estão no activo se podem orgulhar, podem olhar para mim como um modelo, porque eu hoje vejo que elas não fazem melhor do que eu fazia, tirando duas ou três. W

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João Ferreira Jornalista
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