SÁBADO

Família Como lidar com crianças com mau perder

Rodrigo diz que a mãe faz batota e grita, Carminho irrita-se e chora. O que fazer? A solução, dizem os especialis­tas, não é deixá-los vencer, é ajudá-los na vitória.

- Por Dina Arsénio e Rita Sanches Com Vanda Marques

Se a mãe ganha no jogo do berlinde já sabe que vai haver birra. “É batota!” ou “Não quero jogar mais!” são algumas das respostas habituais do filho. Mas a escalada de frustração pode terminar com um gesto mais drástico: palmadas nas pernas da mãe. Seguidas por gritos como: “És má!” As birras de mau perder de Rodrigo, de 5 anos, são mais ou menos assim. Não gosta nada de perder e quer ser sempre o primeiro em tudo. “Se eu meto o berlinde primeiro no buraco ele fica chateado, faz beicinho e pede para eu o deixar ganhar”, conta a mãe, Mara Ferreira, à SÁBADO. É neste momento que Mara não consegue dizer que não e acaba por ceder. “Faço-lhe a vontade porque ele faz aquelas carinhas e pede por favor. Se lhe disser que não, chora.” A coach parental e autora do blogue Mum’s the Boss, Magda Gomes Dias, acredita que esta não é a melhor estratégia – apesar de se poder deixar ganhar algumas vezes, esta não pode ser a regra. A solução é ajudar a ganhar. “Dizer: ‘Hoje jogamos juntos e vou-te mostrar porque é que vais pôr esta carta e não aquela.’ Desta forma dou a possibilid­ade à criança de ganhar, não porque me fiz de tonta, mas porque a ajudei a ganhar de forma estratégic­a.” Até nos dados, Rodrigo tem de ter o maior número de pontos, caso contrário faz batota. “Se a tia contar 9 e se ele tiver 6, já está tudo estragado. Depois vira o dado e diz que tem mais. Para ele não é batota, mas se nós ganharmos já é”, revela Mara. Mas nem sempre foi assim: antes dos 3 anos, Rodrigo não se interessav­a muito por jogos. “Acho que foi a partir dessa altura que ele passou a perceber o que significa perder e ganhar, porque também jogava na escola.” A psicóloga Jordana Pinto Cardoso explica que, por norma, as crianças costumam ficar mais competitiv­as a partir dos 2 anos. E acrescenta: “Muitas vezes são impulsiona­dos pelos comentário­s dos pais ou dos educadores como ‘vamos ver quem é o primeiro’.” Magda Gomes Dias atira outra explicação: “Ainda são imaturos em termos emocionais e associam o perder a não gostarem deles.” Mas Rodrigo não é caso único. Mariana, com a mesma idade, fica

MUITOS CHORAM PORQUE SÃO IMATUROS EMOCIONALM­ENTE E ACHAM QUE PERDEM PORQUE NÃO GOSTAM DELES

muito amuada com a mãe, Ana Marçalo, quando ela não a deixa ganhar. Já com o pai a história é outra. “O pai deixa-a ganhar porque não gosta de a ver triste e viu na televisão uma apresentad­ora a dizer que o avô a deixava ganhar sempre porque queria que ela fosse uma vencedora na vida”, explica Ana. Não é de estranhar que o oponente favorito de Mariana seja o pai. “O que a investigaç­ão tem mostrado é que, habitualme­nte, a relação com o pai está mais ligada à componente lúdica, do brincar, e a relação com a mãe com os cuidados directos, apesar da tendência estar a mudar”, diz a psicóloga.

E quando se tem irmãos?

Carminho tem 4 anos e um feitio apurado. Com os pais e o irmão, Manel, de 9 anos, costuma jogar às cartas. Quando se apercebe de que não ganhou, irrita-se e fica com cara de maldispost­a. A mãe, Maria, tenta consolá-la: “Não importa perder, importa estarmos aqui a brincar as duas e com o mano. Gosta de brincar com o mano, não é? O mano ganhou, mas da próxima vez a Carminho ganha, não tem mal.” Mas a miúda olha para o lado, chora e queixa-se de que nunca ganha. Ao fim de dois ou três jogos, a mãe deixa-a vencer um, no máximo dois, mas depois volta a ser um jogo justo, para o irmão não se chatear. Magda Gomes Dias sublinha que é importante não colocar os irmãos a competir um com o outro. E acrescenta: “Não é nada saudável. Podemos é fazer com que eles joguem na mesma equipa, contra outros.” Maria faz a gestão das derrotas e vitórias, deixa a filha ganhar porque não quer que ela desista, nem que fique revoltada com ela própria. “Tenho de a motivar e para isso tenho de a deixar ganhar, mas não pode ser sempre”, explica à SÁBADO.

Duarte, 8 anos, costuma jogar ao Pictionary e às cartas com os pais e o irmão. Quando perde, a reacção é de frustração, não quer jogar mais. Até em jogos de futebol com os vizinhos é capaz de pegar na bola e ir para casa. Resultado: ninguém joga mais. “Já não o deixamos tanto ganhar, só quando era mais pequenino. Agora tem de perceber que se perde e se ganha”, diz Olga, mãe de Duarte. E acrescenta: “Antes ficava muito contente, mas depois vinha o irmão e dizia ‘ganhaste porque te deixaram’ e estragava tudo.”

OS PAIS DEVEM MOSTRAR COMO SE GANHA E NÃO DEIXAR GANHAR PORQUE SE FIZERAM DE TONTOS

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal